CRÔNICA E FILOSOFIA: EU ODEIO A CLASSE MÉDIA

As imagens que circularam nas redes sociais na semana que passou, onde pessoas dão a chamada "carteirada" para justificar as suas ações em meio a brigas e desentendimentos, revelam um lado obscuro do Brasil onde cidadãos se posicionam como gente socialmente superior a outras até como seres humanos, devido à sua formação acadêmica, por causa da sua conta bancária ou por serem simplesmente "amigos do rei." Mas se essa realidade não está tão bem resolvida ainda, é porque há coisas que não estão muito bem discutidas, devido ao caráter historicamente escravocrata e silencioso de certas subjetividades constituídas nas nossas relações interpessoais, segundo a análise do sociólogo Jessé Souza.

Evidentemente que o que nós estamos discutindo no debate público de uns tempos pra cá, são as carteirada mais explícita, que ficaram muito mais evidente com a pandemia, principalmente através da atitude de pessoas reacionárias e negacionistas, que se recusam terminantemente a cumprir as etiquetas de distanciamento social aconselhadas pela OMS. Mas esses desentendimentos representam também sintomas explícitos de relações sociais tácitas e hostis que ocorrem em caráter horizontal em várias disputas de egos inflados e as suas orientação classista, e que primeiramente, faz parte de uma cultura de classe média que nós desenvolvemos no Brasil desde as primeiras décadas do século XX após o fim da escravidão. Desta maneira, é muito importante a gente saber que classe média é essa e como ela desenvolveu as subjetividades das suas relações de poder, pois todo esse espetáculo de mau gosto que nós temos assistido na imprensa e na Rede, é realizado por parte dos representantes desse pensamento de classe, que nós inventamos como um dos nossos principais produtos de sociabilidade.

Quando a filósofa Marilena Chaui disse a frase "eu odeio a classe média", muita gente não compreendeu o que a pensadora falou, e por isso, a critica sem muito fundamento conceitual, pois a filósofa não estava falando de classe média apenas por uma média salarial, que faz parte do ganho de cidadãos que se encontram no espeço entre os setores menos favorecidos e os lugares mais abastados da distribuição de renda. Mas o que Marilena Chaui chama de classe média é uma forma de raciocínio que orienta uma maneira de pensar a sociedade brasileira com os seus privilégios classistas. E segundo especialistas, essas idéias se formaram no país, desde a chegada do imigrante europeu, que ocorreu no Brasil principalmente no início do século XX.

Segundo o sociólogo Jessé Souza, nós só vamos compreender melhor a sociedade brasileira quando nós entendermos as nossas relações de poder, que foram criadas no país pelo fato de haver aqui um histórico do que ele chama de "ódio ao pobre". E quais seriam as origens desse ódio? Quando nós vivíamos o período anterior à libertação dos escravos, a sociedade estamental brasileira tinha os seus atores sociais muito bem definidos. No topo da pirâmide estavam os principais senhores de terra e na parte mais baixa da escala social estavam os escravos. Com o fim da escravidão, mesmo com os ex escravos ficando na maioria das vezes em uma situação de muita ou de extrema pobreza, a maioria dessa população afrodescendentes se destacou na literatura como foi o caso de Machado de Assis, muitos deles se destacaram como profissionais liberais como foi o caso do engenheiro Antônio Rebouças, e até na arte, o compositor Antônio Calado fazia grandes parcerias com a brilhante compositora e carnavalhesca Chiquinha Gonzaga. Mas quando as elites e cada setor da sociedade já estava se acostumando com uma convivência social minimamente inclusiva entre negros e brancos, chegou o imigrante europeu. E a partir desse momento, nós passamos a construir um pensamento de classe média, que é um dos principais responsáveis por essas discussões baseadas em carteiradas sociais, que em média, são as afirmações desse grupo de indivíduos, que por causa de uma herança escravocrata e pós escravocrata que nós temos, odeia os mais pobres e faz questão de dizer as seguintes frases contra eles: "eu tenho estudo e mais educação que você, "eu estudei na Europa, mas você é analfabeto", "eu falo três idiomas, mas você mau sabe assinar o nome", "eu tenho CRM, mas você é um pé rapado" e etc.

Segundo Jessé, quando o imigrante europeu aqui chegou, o poder econômico da sociedade brasileira já estava muito bem representado, principalmente pelos grandes proprietários de terra, que eram as pessoas que tinham as vozes mais representativas nas hierarquias locais e na política nacional. Mas quando os imigrantes chegaram, eles foram recebidos com benefícios e doações, que os próprios negros não disfrutaram, mesmo que eles  tenham sido as pessoas que mais trabalharam para o nascimento do país desde o ciclo do pau brasil até o ciclo do café. Neste contesto, como os imigrantes e sua descendência não podiam usufruir o mesmo poder político, social e econômico das hierarquias locais e dos cononeis, eles escolheram principalmente a pessoa dos cidadãos afrodescendentes e dos ex escravos para a afirmação do seu poder social sobre os negros principalmente. Com isso, nasceu esse tipo de subjetivação classista, de ódio ao pobre e que tem uma origem principal, os fundamentos escravocratas da sociedade brasileira. Pois os imigrantes, para afirmar a importância social que detinham supostamente, também diziam coisas do tipo: eu tenho educação europeia e eu sou amigo do coronel Fulano de Tal, mas você não tem. É esse pensamento de classe média que a Chauí disse que odeia. E eu também.

Mas esse pensamento de classe média não está presente apanas entre pessoas com uma média salarial um pouco acima da média geral. Cidadãos com pouquissimas posses também podem manifestá_lo através da conquista de uma educação formal minimamente mais elevada ou simplesmente através da aquisição de um bem material. Pois da mesma maneira como as pessoas diziam lá no início do século XX que elas eram as amigas dos coronéis capazes de fazer justiça a favor delas no interior das hierarquias locais, a ascensão social de alguns dão o seguinte recado implícito: eu estou aqui conversando com você por pura educação, mas o meu meio social é bem outro. E isso não deixa de ser uma espécie tácitas do que Jessé Souza denomina de ódio aos mais pobres, onde cidadãos mais bem sucedidos se mostram em uma espécie de ódio implícito, não só aos mais pobres, mas  às suas próprias origens sociais.

Agora, com a ascensão das ideias de extrema direita no Brasil, esse comportamento de ódio aos mais pobres, nunca esteve tão evidente como no espírito econômico das reformas pretendidas pelo ministro da economia, Paulo Guedes. Pois o BPC ele já tentou tirar das pessoas mais pobres, ele já cogitou eliminar o abono do PIS dos mais carentes, ele disfarça dali, disfarça daqui, mas está sempre tentando reeditar a CPMF para sobretaxar os mais humildes e etc. Mas na hora da realização das reformas necessárias para desobstruir economicamente o Brasil, o ódio ao pobre reaparece querendo retirar apenas o benefício da professorinha que menos ganha no serviço público, e querendo diminuir ao máximo todos os investimentos em prol da educação popular, da saúde pública e etc. Mas evidentemente, as pessoas mais abastadas geralmente não aparecem nesse espírito reformista, que insiste em aparecer, mas somente para cortar benefício sociais aos mais carentes. E a propósito, a maneira como nós organizamos o serviço público no país, principalmente buscando esvaziá_lo ao máximo, é a nossa maneira mais autêntica de exercício histórico de  ódio ao pobre. É por isso tudo que eu também odeio a classe média.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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