O DEUS DE MALAFAIA

resistência do pastor Silas Malafaia, camaleão contumaz, em pular da nau do ex presidente Bolsonaro, em pleno naufrágio ético e moral me causa espécia. De fato, no governo anterior, ele ganhou a chance única de realizar o sonho aparente de brincar de capelãozinho do Brasil e de Billy Gran dos trópicos, oportunidade essas que dificilmente se repetirá novamente. Mas eu vou um pouco além dos clichês Malafaia corrupto, Malafaia que se vende, Malafaia avarento e etc que aparecem na boca dos críticos que são contrários ao religioso. Percebo que muito  mais que os métodos de um pastor, a metodologia desta liderança  é bem mais política que eclesiástica. Ou melhor, quase todos os senhores da religião que se apresentam ao público são bem mais conhecidos pela mensagem de fé ou de justiça que trazem, ainda que sejam falsamente vivenciadas. Ao contrário disso, o reverendo em questão aparece nas mídias e redes sociais sempre batizado pelas polêmicas e brigas que protagoniza. Desta maneira, quem é o Jesus das polêmicas e quem é o Deus das tretas do Malafaia? Pois assim como Bolsonaro tem uma percepção de democracia que saiu da cabeça dele segundo o professor Paulo Guiraldelli, penso que o  Malafaia tem um Deus específico para a Bíblia suburbana que ele escreveu pra poder sobreviver politicamente dentro das suas intenções.


O Deus do Malafaia é a divindade suprema de um novo monoteísmo mesclado de um recente politeísmo que eu chamo carinhosamente de Monopoliteísmo. E este pastor é do tipo social mais bem acabado de uma realidade pseudosagrada onde a convivência social e republicana com os outros deuses se faz inevitável, porém Malafaia e agregados lutam desesperadamente contra essa urbanidade, utilizando_se de seus benefícios políticos e monopoliteístas apenas quando lhes interessa. E quando eu falo de outras divindades, não estou me referindo a espíritos da natureza ou a criadores míticos da mesma. Outros deuses neste caso são elementos da modernidade e da hipermodernidade que concorrem com o Deus pressuposto na religião quase por definição. Tais deuses podem ser exemplificado na moeda, no Capital, na Humanidade, na República e etc. E o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo vem à minha consciência, não como o principal vilão desta nova ética monopoliteísta, mas como a tipologial mais explícito  do que existe de mais caricato e esquizofrênico neste Cristianismo  que tenta sobreviver com o seu Deus único, tentando  chamar a todos os outros de demônio, porém tirando uma casquinha em muitos catecismos pagãos. E a propósito, é a esquizofrenia como fluxo da vida e da produção em todos os estágios do capital que promove a excrescência destes indivíduos  muito exóticos que por conveniência sempre aparecem falando em nome de um Deus que está sempre acompanhado de muitos  outros espíritos os quais ele tem que dividir o trono. Porém, precisamos conhecer melhor esses outros deuses que cada chamado cristão precisa conviver agora  para não ter que se deparar com um mundo cada vez mais inviável. Evidentemente que com muitos cuidados, pois é exatamente neste contexto que Silas Malafaia segura nas mãos de vários deuses pra poder surfar pelas "ondas do mar da vida" que podem lhe afogar.


O pastor da Igreja Vitória em Cristo fala sempre em nome do seu Deus, e como regra de fé e prática eu costumo respeitar cada referência religiosa. Inclusive eu também tenho o meu Deus e meus anjos, seres os quais eu dialogo diariamente a ponto de ser eventualmente tachado de meio maluco por aparentemente falar sozinho. Porém é na nova percepção possível sobre o monoteísmo que Malafaia se equivoca. E também é na recente  compreensão sobre as práticas monoteístas que eu procuro não me equivocar de igual modo. Caso contrário procuraremos fazer com que o nosso Deus ocupe o trono de outras divindades como a moeda, como a República, como o capital e como a Humanidade sem nos darmos conta de que isso é quase inevitável nos dias de hoje. O que é muito desafiador, pois é no agora da Modernidade e da Hipermodernidade que  todos esses fenômenos indiretamente divinos rivalizam legitimamente com o que resta de fragmentos de todos os deuses da tradição. É propriamente neste desafio de juntar os pedacinhos deste ser, e alimentando_se com o manar que vem de baixo, que foi feita  a Bíblia dos deuses e dos demônios escrita pelas  penas e pelas almas penadas que inspiram Silas Malafaia. É evidente que se formos pensar racionalmente, é quase impossível ser cristão como nas origens se partirmos dos dias atuais, mas o que me causa espécie é que aparentemente Malafaia desistiu completamente da busca dos elos perdidos que possam ligar a "sociedade líquida" com as máquinas da honra que edificaram a fé e o apostolado de Jesus Cristo.


Segundo o professor da UFRJ Leandro Chevitarese, especialista em Cristologia, segundo o professor Rodrigo Rainha, especialista em História antiga na UFRJ e de forma mais hegemônica entre os acadêmicos, até a formação do Reino de Davi não houve a aparição de um monoteísmo formal entre os hebreus, pois essa concepção sobre Deus teria sido  formada a partir de um governo central representado sobretudo na linhagem davídica. Não foi por acaso que a esperança  monoteístas e messiânica era aguardada através de um tal de "filho de Davi" que um dos seguidores mais empolgados chamou Jesus, que segundo o que está escrito, o mesmo o respaldou. Antes o Senhor dos judeus era visto como um dos deuses da guerra que existiam não como divindade única, mas como o Deus mais poderoso que ao ser observado devidamente pelo seu povo daria a Israel os triunfos mais perenes. As possibilidades de construção e reconstrução do Monoteísmo foi articulada e rearticulada até os dias da Modernidade, onde as relações sociais se tornaram cada dia mais esquizas. Razão pelas quais os deuses e o Deus da tradição também foram triturados dentro da máquina capitalista e teve que dividir o seu trono com a moeda, com a humanidade, com o capital e com a República. A partir deste momento, o Monoteísmo se tornou cada dia mais um desafio necessário, e menos uma realidade objetiva, pois o pensamento mágico que o detinha deixou de ser o paradigma dos nossos séculos. E é por não compreender isso que vemos um Silas Malafaia, seus seguidores e parte da extrema direita literalmente se estribuchando sob um Cristianismo onde o sujeito é até capaz de deixar de tomar vacina porque a sua  dose mais forte é Jesus, mas não deixando de usar o álcool gel para não se contaminar com o vírus como eu já presenciei 


Nos primeiros dias da Patrística, os bispos e teólogos apologista uniram as doutrinas de Jesus à tradição e à Filosofia Grega para explicar a fé cristã àquele mundo helenizado culturalmente. Com a difusão da fé nas intenções universais do Catolicismo, o próprio calendário pagão foi apropriado pelo Cristianismo. Mas muito embora os filósofos e santos que passaram a ocupar as cadeiras do paganismo fizessem parte de um grande panteão de santidades, o desafio do monoteísmo era bem mais simplificado, pois não havia a divisão  legítima entre o sagrado e o profano pra posicionar os deuses seculares frente aos deuses do pensamento mágico. E quando fenômenos como o Docetismo,  o Pelagianismo e o Arianismo ameaçaram mais diretamente o Monoteísmo, a longo prazo a Igreja respondeu sabiamente com o dogma da santíssima trindade. O que por razões óbvias não ocorre mais com tanta facilidade assim. Sobretudo na hipermodernidade de agora. E é por isso que algumas lideranças escrevem os seus "livros sagrados" visando os instintos de sobrevivência das suas intenções. É neste contexto que foi criado o Deus de Malafaia.


O Malafaia precisa conviver falando de Jesus em uma sociedade onde é a absolutização do sistema monetário que confere poderes à pessoas que têm dinheiro. O que é desafio aceito desde a aparição do Protestantismo. Por razões análogas Max Webber escreveu O Protestantismo e o Espírito do Capitalismo, onde ele assevera que a fé precisou aplicar a necessidade da produção, do lucro, do consumo e do acúmulo do capital às doutrinas apostólicas, pois sem os juros da usura e sem a busca por bens materiais, antes criticadas no Catolicismo, não daria para sustentar a indústria emergente que a princípio também se aliou às nações protestantes sobretudo. Ou seja, os dogmas da prosperidade material precisaram ser trazidos para a fé em Jesus, porém a princípio  sem a perda total dos desafios da piedade. Porém Silas Malafaia foi convertido não ao materialismo protestante e em parte piedoso de outrora, mas à exacerbação neoliberal do materialismo religioso que é representado não pela Teologia da Prosperidade, mas pela Teologia da Ganância. É como diz o pastor Caio Fábio de Araújo Filho que o conhece muitíssimo bem, ele não consegue vê absolutamente nada à sua frente que não  seja o apego desmedido ao dinheiro. Razão pela qual uma primeira definição sobre quem é o Deus de Malafaia, este é um deus neoliberal em uma sociedade atomizada que boa parte dela promove ganâncias autocnes em cidadãos que são patrões e empregados de si mesmos, senhores e escravos de si mesmos e até deuses e servos de si mesmos. É por isso que ao orar a Deus muitos novos crentes se apropriam da soberania do Deus da Bíblia e rezam assim, "Senhor, eu determino isso, Deus, eu determino aquilo em o nome de Jesus."


Uma outra abordagem a ser feita ao Deus de Malafaia é que ele é uma divindade que participa de um mundo onde os contratos sociais retiraram Deus pela porta da frente da República desde o fim da soberania real. Mas como a fé não basta a certos líderes que vêem o seu espaço de poderes limitado se os mesmos só pregarem as suas crenças, agora ele e outros pastores menos conhecidos querem convidar Deus a entrar na política pela porta dos fundos da laicidade pública. Ou seja, o deus de Malafaia é um deus invasivo e que arromba a porta das comunidades humanas quando não é convidado para os seus banquetes. Eu conheço muito bem esta realidade, não só porque fui evangélico durante quase 30 anos, cursei o bacharelado em Teologia e fiz parte dos movimentos neopentecostais mais alternativos, mas porque eu sei que toda aquela maquinação de fazer orações religiosas em instituições do governo vivido no governo Bolsonaro é parte das mentalidades mais esdrúxulas do Neontecostalismo.


E a terceira e última característica do Deus de Malafaia, dentre muitas outras, é que parece que ele ainda não entendeu que a vida sociopolítica e constitucional que nós vivemos é fluxo de intervenções humanísticas no mundo que se reterritorializam desde o Renascimento, ou seja, desde os dias onde Maquiavel desmistificava a Política na obra O Príncipe, pois com o tempo nós separamos o Estado da Igreja e simplesmente criamos um deus laico chamado poder público que convidou os deuses da religião a se restringirem à esfera do pensamento mágico. O que aparentemente não tem mais retorno pleno. É isso que eu chamo carinhosamente de Politeísmo inevitável de uma sociedade cujo o pensamento mítico foi desconstruído como valor de soberania e os deuses da objetividade política foram postos como substitutos e rivais sem conflito da religiosidade. A coisa é tão séria que o Vaticano consegue hoje manter o status de ser a Igreja por excelência porque formou um Estado Teocrático chamado Vaticano para dialogar mais legitimamente com as instituições públicas  do mundo moderno. Enquanto isso Silas Malafaia e seus apaniguados se estribucham vociferando as vozes de um deus muito emburrado que se parece mais com aqueles demônios que pediram para entrar no corpo de porcos porque os seus dias estavam chegando ao fim que com o Jesus Cristo que nos inspira à piedade. E por não compreender isso, Silas Malafaia se afasta das agendas humanitárias  que emergen do agora, enquanto desafetos como a Comunidade LGBT avança na agenda dos direitos humanos. O Papa Francisco já entendeu isso, mas ele não quer compreender. E se ele não ficar esperto, haverá dias onde casais do mesmo sexo vão chegar na sua Igreja, vão querer cantar no coral e ele terá que permitir por decisão judicial. Não é uma questão de se ele está certo ou se o mesmo está errado e vice  versa, mas os Neopentecostais precisam compreender que se eles são contra a membrezia formal  de gays nas suas comunidades religiosas, eles terão que fazê_lo abrindo espaços na agenda humanitária. Caso contrário continuarão se estribuchando com a Bíblia escrita pelos garranchos da pena e pelos gritos de desespero do deus agonizante do Malafaia.


Eldon de Azevedo Rosa Masón


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