CRÔNICA E FILOSOFIA: ESQUECIMENTO, CINISMO OU DESINFORMAÇÃO?
A cerca de um ano atrás eu gravei um vídeo no meu canal de YouTube, Filosofia com Eldon Rosamasson, com parte do mesmo título supracitado. O título da filmagem era Cinismo ou desinformação? Porém nessa época, o presidente já estava eleito. E desde esse vídeo, eu já fazia críticas a um espanto aparentemente cínico que algumas pessoas supostamente esclarecidas estavam demonstrando em relação ao governo, ou melhor, em relação ao desgoverno Bolsonaro. Mas diante de todo o histórico que acompanhou a carreira desse ator politico como vereador e como deputado estadual e federal desde 88, que direito os seus antigos apoiadores, sobretudo os supostamente melhor informados como o Lobão, como a galerinha do MBL, como o Newmany Pinto e muitos outros agora têm de demonstrar arrependimento ou indignação com essa verdadeira coisa de louco que é a gestão trágica do poder executivo agora? Eles apoiaram o Bolsonaro e agora se mostram estarrecidos com o que está ocorrendo por puro arrependimento, por que eram desinformados ou simplesmente porque eles são cínicos?
No dia 12 de dezembro de 2019, eu escrevi um texto no meu Facebook, Eldon de Azevedo Rosa e no meu grupo de Facebook, Filosofia com Eldon Rosamasson, intitulado "a disfunção do verbo deletar." E nele, eu falo do papel do esquecimento na condição humana que possibilita o conhecimento. Pois o que nós esquecemos costuma ficar guardado em nós em lugares específicos dos que já foram chamados historicamente de mundo das ideias, de inconsciente, de subconsciente ou simplesmente de fenômenos da consciência. Mas com a digitalização da vida, nós fomos deixando de lado o próprio esquecimento como condição humana da própria aprendizagem e passamos a substituir a função do verbo esquecer pela disfunção do verbo deletar. E a partir disso, eu faço a seguinte pergunta, se nós esquecemos das coisas e guardamos o que vivenciamos ou aprendemos nos nossos vários agregados psicológicos, o que ocorre quando nós deletamos informações? ou seja, onde as coisas que nós deletamos ficam guardadas para que o conhecimento possa se apropriar delas em ocasiões oportunas? Pois eu penso que não apenas esse esquecimento patológico proporcionado pelo verbo deletar, como a utilização política desse tipo de patologia, foi uma das principais responsáveis pela eleição do Bolsonaro. Mas será que essa condição humana de hoje, que eu chamo carinhosamente de esquecimento patológico, justifica que tanta gente aparentemente bem informada apoiasse e votasse no Bolsonaro, a despeito do seu longo histórico de total insensatez política?
Há espaços psicossiais para que a gente diga que algumas pessoas podem ter sido conduzidas por uma onda bolsonarista. Afinal de contas, ouvi professores dizendo que votou no cara e só ouviu falar a respeito dele na época das eleições. Acho bastante estranho isso, mas admito que a decisão em relação ao voto pode vir também a partir de um complexo jogo de convencimento feito através do diálogo, que se acirra nas fases anteriores aos peitos. Essa dinâmica pré eleitoral, alcança não só as pessoas mais informadas, mas também aquelas que quase nunca ou nunca se interessam por política. E tem também o indivíduo que até poderia se interessar mais pelo tema, mas devido aos seus muitos e muitos compromissos diários, acabam por não ter tempo quase nenhum ou nenhum para ler ou se informar politicamente. Essas pessoas acabam também sendo influenciadas por uma pequena elite mais ou menos informada, sejam elas populares ou não. Mas o que fazer ou pensar quando a gente observa que até no seio de uma suposta camada pensante ou melhor informada a gente vê votos em massa no Bolsonaro? Pois esses votos seriam apenas um voto a mais se tais pessoas não apresentassem razões tão absurdas as vezes para aderir ao Bolsonarismo? Será que muitos desses indivíduos foram afetadas pelo esquecimento patológico que acabou influenciando uma grande massa, será que eles não são tão informados como aparentam ser ou de fato são é cínicos mesmo?
Penso que se é pra falar de esquecimento patológico, é preciso apontar a partir de que fenômenos psicossociais eles o ocorrem, pois a dinâmica das nossas tecnologias da informação hoje oferecem uma grande infraestrutura para que a gente substitua o verbo esquecer pelo verbo deletar. E como eu já disse em outras palavras, ao deletamos informações, deletamos também algumas das nossas condições humanas precípuas na construção do conhecimento que se faz também através do esquecimento. Neste contesto, as próprias pessoas que aparecem a nós como gente supostamente bem informadas, têm bases sólidas para nos orientar devidamente ou elas são indubitavelmente vitimadas por uma complexa rede de informações dirigidas digitalmente por uma complexa rede de algoritmos capazes de massificar tendências à partir de vários disparos feitos através das redes sociais? Pois é dentro desse contesto todo que eu vejo muita gente, até entre as pessoas supostamente mais bem informadas, capturadas pelo discurso bolsonarista apesar de todo o seu espetáculo histórico de boçalidades, por causa da dinâmica massiva da rede.
Talvez sejamos um dos países ou o país da América Latina mais sem relação objetiva com a memória. A gente observa isso em alguns fenômenos muito curiosos quando nós viajamos pelos países americanos. É muito comum em países andinos a marca dos povos incas e da língua original desses mesmos sendo cultuadas quase sempre. E o Brasil ser um dos três países da América do Sul a não ter uma relação direta com a Cordilheira dos Andes faz muita diferença nos nossos conceitos de memória, penso eu. Países como Argentina, Uruguai, Colômbia e Venezuela, cultuam e muito os seus principais heróis militares, San Martin, Artigas e Simón Bolívar, sem que na maioria deles, exceto na Venezuela, isso represente autoritarismo político. No México a cultura dos Maias e Astecas está representada no país do ponto de vista cultural e como plataforma de turismo em casa uma das províncias da nação. A ponto da província de Yucatán obrigar as escolas a ensinar o idioma maia. E os Estados Unidos por sua vez, conseguem sempre implantar um determinado nacionalismo regional com as suas muitas características específicas. Mas aqui no Brasil, o esquecimento patológico tem um lugar muito especial por causa das nossas relações muito ambíguas com a nossa memória, o que culminou penso eu, como um dos fenômenos principais a cooperar com a projeção política de Jair Messias Bolsonaro à presidência da república. Penso que isso foi proporcionado também pelo esquecimento que nós tivemos em relação a todo o seu longo histórico de boçalidades.
Além de toda essa relação sofrível e dificultosa com a memória, agora temos um governo que cultua explicitamente o esquecimento patológico como metodologia antipedagógica. Salvo quando as lembranças distorcidas da realidade lhe interessa. Não nos esqueçamos que a primeira figura que foi lembrada para o Ministério da Educação, Olavo de Carvalho, disse no seu livro O lmbecil Coletivo, que o negro não tem nenhuma importância na cultura brasileira. Evidentemente por simples lapso cínico de memória, só pode. O atual ministro da pasta tem uma interpretação olavista sobre o mundo de que existe um Comunismo cultural implícito em cada póro dos estados e que somente essa extrema direita bolsonarista pode ser a salvação. Inclusive na fatídica reunião ministerial revelada pelo ministro Celso de Melo, ele disse que odeia qualquer relação em relação à minorias, inclusive indígenas. Ou seja, Waintraub quer um grande Brasil sem memórias específicas, mas com uma grande e suposta lembrança coletiva onde todos são tudo e ninguém é quase nada nas lembranças. Até porque, o Brasil sequer cultua habilmente símbolos militares e políticos nacionais representativos como Duque de Caxias, como Dom Pedro l, como José Bonifácio e tantos outros. E neste governo, dentre muitos absurdos ditos pela ministra Damares, pelo Osmar Terra, pelo Marcos Pontes e etc, foi o próprio presidente da república que falou em pleno Jornal Nacional diante de toda a sua audiência durante a campanha, "deixa a História pra lá." Em outras palavras, o que ele falou foi, deixa a memória pra lá. Salvo a memória do seu revisionismo histórico caduco e cenil.
Esse hábito de se esquecer das coisas tem algumas características muito curiosas. É costumeiro a gente ouvir conversas com pessoas do sendo comum, com mais de 60, 70 e até 80 anos, que passaram pela época do Cabo Bruno, que ouviram falar do Mão Branca, que viram o rosto de Mariel Maniscor e Lúcio Flávio na tv, que assistiram ao nascimento da Falando Vermelha, que contemplaram o surgimento dos esquadrões da Morte e que ouviram as notícias de que a região onde é hoje o município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, ser considerada a região mais violenta do mundo na década de 80, falarem hoje que durante todo o regime militar não havia violência no Brasil. As próprias redes sociais estão cheios de revisionismo histórico do que eu chamo carinhosamente de watzapologia e Facebookologia dizendo que antes do PT o Brasil era um paraíso. Ou seja, antes de 1978, quando o Lula apareceu no cenário político do país, o Jardim do Éden era aqui e o Lula foi o primeiro Adão que pecou contra Deus e transformou o Brasil nesse inferno que é hoje comandado pelo capeta Bolsonaro e sua legião de demônios formada por pastores evangélicos e milicianos. Presumo que deve ser isso que o fanatismo bolsonarista queira dizer. Pois tudo isso significa falta de memória, e também é por isso que o esquecimento patológico é tão profícuo no Brasil.
Até aqui falamos de um tipo de amnésia existencial que eu chamo carinhosamente de esquecimento patológico, que também é proporcionado pela substituição das etapas naturais e sociais na maneira de esquecermos das coisas pela substituição do verbo esquecer pelo verbo deletar. Mas e quando esse esquecimento aparente ocorre com pessoas aparentemente bem informadas? Neste caso, tal esquecimento ocorre por cinismo ou por desinformação? Será que o Lobão por exemplo, ao dizer que votou no Bolsonaro porque também viu nele um "homem bom" não verificou o histórico de bizarrices é de crueldade nas palavras do Bolsonaro? Bolsonaro já disse ser a favor da tortura, Bolsonaro já falou que é a favor de uma guerra civil no Brasil, que ele achava até que inocentes poderiam morrer e que isso não era problema dele, Bolsonaro já defendeu o fuzilamento de uns trinta mil adversários, Bolsonaro já homenageou o maior torturador da ditadura militar, o general Ustra e vários ditadores sanguinários e violadores de direitos humanos da América do Sul, Bolsonaro já disse que desejava que a presidenta Dilma morresse de câncer e etc. Aí aparece o seu Lobão com essa história de que Bolsonaro é um homem bom. Será que ele falava isso por esquecimento, por cinismo.ou por desinformação? Será que quando o jornalistas Alexandre Garcia, baseado na posição de dois médicos brasileiros, apareceu se utilizando dessa informação para dar apoio ao uso da Cloroquina, não sabia que a OMS não a recomenda e que o seu procedimento de se basear apenas na opinião de dois médicos fere os princípios básicos da Metodologia Científica, uma vez que a OMS é a maior autoridade institucional do mundo em saúde, e inclusuve, é a instituição que define científicamente o que é uma doença física ou mental? Ao agir assim, ele o fez por esquecimento, por cinismo ou por desinformação? E a Regina Duarte, ao propor que a gente se esqueça das arbitrariedades políticas do passado, ao não homenagear colegas artistas mortos durante o tempo em que ela foi a ministra da cultura e ao ignorar as mortes das pessoas que morrem em grande número por causa da Pandemia, não sabia que o procedimento não é esse? Será que essa indiferença para com a memória e para com as mortes que ela demonstrou é por desejo de esquecimento, é por cinismo ou épor falta de informação?
Talvez hoje a configuração dos nossos processos mentais jamais será a mesma de antes e a presença do verbo deletar continuará fazendo parte da condução humana desse agora que se chama hoje. Mas a pergunta que eu faço é a seguinte, quando e o que nós devemos deletar e quando e porque nós devemos nos esquecer de algumas coisas para que elas fiquem guardadas no nosso subconsciente, para que elas fiquem abrigadas lá no fundo do nosso inconsciente ou para que essas informações jamais se percam dos lugares onde elas devem estar quase sempre, nós agregados psíquicos que guardam informações para que ao nos lembrarmos dela o conhecimento possa ser promovido? Pois se esquecer das coisas é um procesdo normal da condição humana, mas deletar definitivamente quase todas as nossas vivências, é amnésia existencial e esquecimento patológico.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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