CRÔNICA E FILOSOFIA: SARA WINTER E O PROBLEMA DO VÍNCULO AFETIVO
Um caso bem patético, bastante bizarro, porém muitíssimo sério que ocorreu essa semana, foi quando a ex ativista do grupo Fémen, Sara Winter, ameaçou explicitamente um dos ministros do Supremo, Alexandre de Moraes, estendendo inclusive o tom das ameaças a vários dos que são próximos à ele. E a louca de pedra ainda o chamou, dentre muitos impropérios, para as vias de fato. Essa situação muito curiosa por ser relativamente inusitada, me faz pensar na flexibilização histórica que tem atingido um dos símbolos da pesquisa antropológica desde sempre, e que mais representa o feminino e a mulher há muitos milênios, o vínculo afetivo. Esse tipo de laço entre famílias e grupos, tem sido desafiado claramente por alas ultraradicais do movimento feminista, e foi agora confrontado com ameaças de porrada pela ativista Sara Winter no exemplo supracitado. E se de fato é a mulher que têm a missão histórica de fazer valer esses laços vinculantes tão importante na base das nossas relações sociais, o que ocorreu com eles durante décadas, séculos e milênios para que hoje nós tenhamos uma situação tão inusitada como essa da transloucada Sara Winter chamando um dos ministros, membro do Supremo Tribunal Federal pra porrada?
Existem culturas e grupos sociais que têm tradições patriarcais, como é o caso da história judaica, como é o modus vivendi dos indianos no tempo e como são os costumes predominantes de japoneses até os dias de hoje. Mas há outras características habituais onde as pessoas cultivam valores matriarcais como é na Ilha de Kihnu na costa da Estônia, como é o caso de Mosua à Sudoeste da China e como eram as sociedades da mãe terra antes das revoluções do patriarcado. No patriarcado, a liderança do grupo pertence sempre ao homem, mas no matriarcado, esse papel de protagonismo na liderança é dado às mulheres. Mas também há a divisão sociólogica entre culturas patrilineares e entre tradições matrilineares. Nas primeiras, os filhos são de prioridade do pai como é o caso da tradição histórica dos povos semitas. Mas entre os segundos, como é o caso dos gregos da antiguidade, os costumes eram matrilineares, onde apesar da liderança ser do homem, os rebentos pertenciam predominantemente ao tóten da mãe. É em meio a cada tradição que ora é matriarcal ora é patriarcal, que ora é patrilinear e ora é matrilinear, que são e foram construídos os mitos feminino e os mitos da masculinidade. Pois foi exatamente esse símbolo histórico que a Sara Winter desafiou ao chamar o ministro Alexandre de Moraes para "trocar socos", o mito da masculinidade.
Em cada um desses costumes, certamente cada gênero desempenha um papel ora mais ora menos participativo na formação dos vínculos afetivos. Mas o que aparece a nós com mais familiaridade, é que o gênero que desempenha a função do caçador, mantém tradicionalmente um distanciamento um pouco maior no dia a dia da intimidade dos filhos. No nosso caso em específico, esse indivíduo é o homem. Cabendo ao gênero mais doméstico, à mulher, o papel de realizar os vínculos afetivos das tribos humanas. Pois é evidente que nas principais culturas clássicas que nos atravessam, a cultura judaicocristã e a tradição grecoromana, o caçador, o guerreiro, o sumo sacerdote, etc e etc, por razões óbvias, construíram um distanciamento maior em relação aos filhos, mas ainda assim, simbolizam sempre a segurança, a força e a proteção do grupo. Enquanto a mulher representa simbolicamente a proximidade dos afetos. Não é por acaso que até hoje predomina o número de homens que reproduzem, mas ainda acham que as crianças são só àqueles "perversos polimorfos" que correm pelos interiores da casa enquanto o papai come a mamãe. Mas quando o afeto pela mulher acaba, o mito masculino parte para novas aventuras com todas as certezas de que os seus filhos estarão bem mais seguros sob o abrigo de um tipo de afetividade que teoricamente tem muito menos chances de falhar no amor aos filhos que ele no seu instinto de caçador nato. E neste caso, mais uma vez, o afeto é transferido generosamente para a mulher. Sendo assim Sara Winter, ao chamar o presidente do Supremo para trocar socos, nós estamos nos referindo à uma pessoa que rompe com vários símbolos míticos de vínculo afetivo atribuido ao feminino. Primeiro por se tratar de uma mulher que tem a fama de se envolver com grupos guerrilheiros. E segundo por ter a ousadia transloucada de convidar um homem bastante poderoso, um ministros do Supremo, que por razões óbvias simboliza e muito o mito masculino, para as vias de fato. Abusada essa Sara não?
Acho que é uma situação bastante complexa esse tipo de problema, mesmo através de uma simples ameaça verbal, pois se trata também de mais uma forma de violência de gênero. E por que? simplesmente porque o fato de o ministro ser homem, reveste de muito mais significado as palavras da militante abusada. Muito embora estejamos muito longe de termos uma lei nacional do machocídio para defender homens da violência feminina, pois uma sociedade que revestiu a violência de muitos significados masculinos, tem certa dificuldade de levar a sério as ameaças feitas por uma mulher contra um homem. Principalmente se o mesmo estiver revestido de um poder representativo muito autêntico como é o caso do ministro Alexandre de Moraes. Isso é como se as forças do mito feminino fossem tão frágeis que o próprio presidente do STF se sentisse de certa maneira protegido dentro dessa suposta fragilidade de meras palavras que se dão na híbris de uma mulherziha histéricas que precisam viver um grande amor para de acalmar. Percebamos que mesmo diante de um flagrante tão evidente, ela sequer recebeu voz de prisão e foi imediatamente presa. Será que foi por impunidade ou por simples descrédito no sexo frágil? E para reforçar ainda mais o que eu digo, segundo o Mapa da Violência, não é verdade que a violência doméstica seja um monopólio de práticas mau humoradas de homens contra mulheres. Muito pelo contrário, as pesquisas demonstram claramente que na violência doméstica, mulheres são até mais ativas que homens, inclusive na brutalidade contra crianças. Porém o que ocorre, é que da mesma maneira que o machismo trata com muito mais desdém a competência positiva das mulheres, também a competência negativa da mulher é muitíssimo mais desprezada. Pois a violência familiar praticada por mulheres, ocorre prioritariamente no interior dos lares e por razões de família como o interesse por heranças por exemplo. Mas o homem, que dá continuidade ao seu instintos de caçador que vem dos mitos da masculinidade, até na hora de fazer o mau, aparece muito mais na violência urbana. Desta maneira, quando o mau que ele pratica é transferido para a violência doméstica, a mesma tem muito mais audiência, pois ele leva a visibilidade que o homem tem nas brigas de rua e na violência urbana para o interior da violência doméstica. Comparando as coisas, é o mesmo que ocorre sempre no mundo da política, no mundo acadêmico, noundo do trabalho, etc e etc. Ou seja, até no ofício do que nos parece mau e criminoso, quase sempre é o homem que tem a maior visibilidade. E não nos esqueçamos que na guerra dos sexos há uma vitória expressiva do mito masculino sobre o mito feminino. E a violência não é diferente, porque ela também circula entre as nossas relações de poder. Sobretudo agora onde está muito na moda a pregação da violência política no Brasil. É neste contesto que aparece a Sara Winter falando com voz impostada para imitar o mito masculino, para imitar o homem na competição e na violência a procura de visibilidade. E para isso, nada melhor que desafiar violentamente um ministro do Supremo Tribunal Federal para ser vista.
Não sei o que vocês pensam a respeito do que eu vou dizer, mas entendo que a primeira coisa que uma pessoa deve fazer, principalmente se for um homem, ao chegar em um novo ambiente, especialmente nos mais novos ambientes de trabalho, é se empenhar ao máximo para conquistar o coração de uma mulher. E eu nem estou me referindo aos clichês de uma conquista amorosa ou de uma aventura sexual simplesmente, mas à conquista de uma pequena, média, e acima de tudo, de uma grande simpatia da parte de pelo menos uma mulher pelos lugares por onde a gente passa, pois apesar de todos os valores da modernidade e dos questionamentos sobre o verdadeiro papel do feminino e do masculino na sociedade, até hoje, são as mulheres que ainda fazem predominantemente o vínculo afetivo. Pelo menos na sua grande maioria penso eu. Mulheres não conseguem habitualmente se conter quando amam ou quando gostam muito de uma pessoa, e querem logo fazer com que todos à sua volta sejam participantes ativos da sua preferência quase militante pelos objetos do seu bem querer. Neste caso, a nossa convivência em alguns dos nossos ambientes humanos, se torna potencialmente muito mais favorecida, quando pelo menos uma mulher gosta muito da gente.
Me lembro como se fosse nos dias de hoje, do empenho que a minha mãe tinha para que nós fôssemos amigos de cada um dos nossos primos. Com isso, ela mantinha sempre um forte laço de amizade com as suas duas irmãs ou com as minhas tias que eram as três irmãs do meu pai. As vezes, ela ficava durante horas e horas explicando detalhadamente pra gente, quem era quem na nossa extensa árvore genealógica, e porque cada um dos nossos entes queridos tinha aquele papel determinado como nosso familiar. Ela fazia questão de explicar com muita riqueza de detalhes quem eram os nossos avôs e avós, porque outros eram os nossos tios e tias, quem eram os nossos primos e primas, e porque que alguns, apesar da muita proximidade familar, não estavam incluídos na nossa linhagem consangüíneos. Evidentemente, se dependesse do meu pai, esse vínculo afetivo, que é fortíssimo até os dias de hoje, jamais ocorreria. Pois em se tratando de liderança, apesar de sermos muito patriarcais no Brasil, somos muito matrilineares e acostumados a concluir que os filhos pertencem à mãe. E digo mais, para a minha, não importava onde os parentes moravam e a distância para vê_los em caso de mudança para lugares distantes, o importante mesmo era a manutenção indelével de cada vínculo afetivo.
O fundador de uma instituição filosófica de cunho místico, o senhor Angel Livraga Rizzi, da Associação Cultural Nova Acrópole, diz que nós formamos na vida moderna, uma espécie de homens e mulheres que se caracterizam pelo que ele chamava de "hermafrodismo psicológico." Problemas filosóficos a parte, penso ser muito pertinente todas essas discussões a respeito das questões de gênero que estão em curso nos dias de hoje, mas acho também, que seja muito problemática essa forma um tanto quanto precipitada de caça à testosterona que tem mapeado o nosso estilo de vida e parte da nossa propaganda política vinculada em quase todas as mídias. Pois as vezes parece que muitos de nós estamos querendo a qualquer custo anular todos os melhores valores do nosso patriarcado histórico, como se o mesmo não tivesse quase nada para nos ensinar, salvo o machismo, a violência e o abuso contra as mulheres. Parece que nós as vezes, queremos nos precipitar para muitas possibilidades do futuro, como se nós fôssemos totalmente diferentes do nosso passado patriarcal. Desta maneira, quem fará o tão necessário vínculo afetivo se a mulher tiver que se homenzarrar completamente para competir com a masculinização predominante no mundo como faz a Sara Winter? Não que devamos ser machistas a ponto de confirmar o absurdo histórico de que vínculo afetivo é coisa de mulher e o desapego é coisa de macho. Porém no campo do simbólico, há muitas coisas positivas em termos de memórias afetivas nos vínculos afetivos simbolizados pela mãe. Da mesma maneira que há também muitas coisas excelentes nos valores trazidos pela figura simbólica do pai.
E quando essas contradições passam a participar do espaço público da política? aí elas se tornam especialmente problemáticas, pois na maioria dos países, especialmente aqui no Brasil, a ocupação do espaço institucional nos três poderes, ainda é muitíssimo masculina. E o que isso causa? penso que isso gera muitas formas de personalidades femininas homenzarradas, que para se posicionar em um mundo ainda muito masculino e machista, acham que precisam falar grosso demais para serem de fato ouvidas e respeitadas. Quem da minha geração não se lembra de Margareth Thatcher, a popular "dama de ferro", primeira ministra inglesa nos idos da década de 80, e a sua política linha dura que não se dobrava nem diante das maiores barbáries humanas como o Apartheid, e perante algumas greves de fome onde ela parecia se lixar para quem sofre ? quem não se lembra também, da duríssima deputada conservadora Sandra Cavalcante, que dentre os muitos boatos a seu respeito, ainda era acusada de atirar mendigos ao mar para resolver problemas sociais considerados os mais graves durante os idos da ditadura militar? Talvez tenhamos que pensar melhor sobre certas nuances da nossa postura política, pois figuras femininas que se propõem a ser pessoas mais conciliadores e que aparentemente poderiam fazer um vínculo político e afetivo bem maior como uma Marina Silva por exemplo, nós ainda interpretemos como se elas fossem indivíduos sem força política o suficiente para os debates e para os embates públicos. E digo isso sem entrar no mérito da competência política da Marina, que a meu ver, ainda está em aberto. Evidentemente, não tenho nada contra uma mulher ter uma personalidade um pouco mais forte no debate, mas se as principais personalidades femininas forem apenas pessoas que gostam de bancar a xerifona, quem fará o vínculo afetivo? Repito, não que os homens não devem fazê-lo também, mas objetivamente, é o que temos pra hoje. E se não compreendermos isso, vamos achar apenas exótico uma louca de pedra como a Sara Winter aparecer no debate público dizendo que vai dar porrada em ministros do Supremo. Definitivamente não é só isso o que aconteceu. O problema é que os nossos símbolos de ocupação do poder são excessivamente masculinos, e quase sempre o discurso de mulheres que chegam ao poder, é de reprodução da linguagem verbal, e as vezes corporal, dos mitos da masculinidade.
Há algumas personalidades públicas que estão no debate político do mundo de hoje como a chanceler Angela Merkel da Alemanha, como Michele Bachelet, ex presidente do Chile e como a Cristina Kirchner, também ex presidente da Argentina e agora vice presidente do país, que são mulheres, mas que talvez não façam totalmente o estilo xerifona de uma Margaret Tatcher, de uma Sandra Cavalcante ou de uma transloucada como a Sara Winter, mas com certeza, elas estão muito e bem longe de imprimir um discurso predominantemente feminino, definitivamente consciliador e exatamente formador de vínculos afetivos como ativo na geopolítica do mundo de hoje. Vou repetir pela terceira vez, não é que eu pense que os homens não devam participar desses vínculos do afeto, mas eu vejo que também seja uma grande distorção machista quando mulheres são politicamente constrangidas a se homenzarar politicamente para não impor o que há de melhor no mito feminino, o vínculo afetivo. Machismos a parte, há inclusive quem afirme nos bastidores do poder, que uma das grandes dificuldades enfrentadas pela nossa única presidenta da história do Brasil, a paulista Dilma Rousseff, foi o seu modo de ser, também um pouco ou excessivamente truculento, em se tratando de uma mulher especialmente. O mesmo teria ocorrido também com os motivos da expulsão de Luiza Erundina da cúpula do Partido dos Trabalhadores. Parece que são mulheres que as vezes ou quase sempre adotam atitudes homenzarradas para conviver bem no universo masculino do poder.
Repetindo pela quarta vez devido a urgência disso ficar muitíssimo bem esclarecido, não estou querendo bancar o sexista ortodoxo e dizendo que o vínculo afetivo só pode ser realizado por intermédio de mulheres. Até porque eu estou muito longe de conhecer todos os homens do mundo, e com certeza, tem muita mulher na face da terra que não está nem aí para os seus filhos, quiçá para fazer algum tipo de vínculo afetivo. Como da mesma maneira, há muitos daqueles homens que são chamados de pãe, que são verdadeiros pai e mãe ao mesmo tempo. Caso contrário, não teria nenhuma mulher perdendo a guarda dos filhos por descaso na criação de meninos e meninas. O que eu estou me referindo é a coisas que ainda ocorrem de maneira muito frequente no campo do simbólico e da realidade estatística. E eu estou me utilizando desses últimos acontecimentos envolvendo uma atriz política chamada Sara Winter, para exemplificar alguns dos nossos valores como uma sociedade machista onde mulheres precisam se parecer verdadeiros homenzinhos de saia, batom e lingerie para conquistar espaços nas escalas do poder político, deixando um vazio nos lugares onde o vínculo afetivo poderia fazer parte das nossas ações públicas. Vide Marina Silva, que a meu ver, é uma atriz política que deixa muitas desconfianças nas pessoas por alguns motivos muito peculiares. Pois se por um lado ela não faz o papel da mulher vaidosa cheia de penduricalhos para representar uma mulher vaidosa definitivamente feminina no trato, por outro lado, a linguagem corporal de uma pessoa autenticamente feminina, que tenta levar para o discurso da política o vínculo afetivo como ativo político, não é muito bem compreendido pelas pessoas ainda.
Por mais que os tempos mudem sem parar, homens e mulheres são muitíssimo diferentes, e cada grupo, cada etnia e cada cultura, procura meios de consagrar essas diferenças. Mas enquanto nós ainda estamos meio perdidos a procura da igualdade de direitos entre os sexos ou entre os gênero, o que nós vamos fazer com as nossas diferenças sexuais? Porque por mais que a igualdade seja uma realidade presente nos mitos da modernidade, o que aparece à consciência humana é a diferença entre os muitos fenômenos naturais, sociais e antropologicos, pois hoje, especialmente no Brasil, nós estamos experimentando mais um grande retrocesso rumo a um determinado neomachismo social e político, e sobretudo, com muitos espaços de intolerância. E perante todos esses impasses, quem fará o vínculo afetivo, o homem, a mulher, o gay ou outros?
Eldon de A. Rosamasson
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