CRÔNICA E FILOSOFIA: CIDADÃOS, ELEITORES E CÚMPLICES

CRÔNICA E FILOSOFIA: CIDADÃOS, ELEITORES E CÚMPLICES

Como cidadãos que somos, não há como vivermos alheios ao que é político, uma vez que todos os fenômenos da nossa existência estão diretamente relacionado ao que é público. E política desde os gregos é a invenção da dimensão pública da vida. Razão pela qual aparecemos publicamente à civilidade desde o nosso nascimento, que necessita de um registro oficial em cartório. O mesmo se repete com as principais prestações de contas da nossa vida civil, que precisa estar devidamente registrada para efeitos legais. E o mesmo se repete na própria morte dos indivíduos, que também tem que ser um evento devidamente computado pelo Estado. Ou seja, a cidadania é um fato social que está diretamente  atrelado ao ente federativa que nos gerou, a cidade, que é o nome primitivo de onde deriva a palavra cidadania, pois cidadãos é o que somos perante as instituições da repúblicas desde os municípios, passando pelos estados até ao ente federativo máximo, que é o Governo Federal e suas instituições. Neste lugar, que é o lugar da cidadania, estão todos os indivíduos cada um de per si, pois em termos humanísticos e constitucionais, todos são cidadãos, do mais vil sanguinário ao mais piedoso de todos os representantes do altruísmo. Esse primeiro tipo de cidadania, devido ao seu caráter inalienável, eu chamo carinhosamente de cidadania passiva, uma vez que nela ainda não temos as devidas  condições de opinadores, de mobilizadores ou de eleitores, que é o que eu chamo carinhosamente de cidadania ativa. E é exatamente nesse lugar ativo da cidadania, que aparece nos dias de hoje, um tipo de ator político e eleitor, que talvez sempre tenha existido no Brasil, quiçá no mundo, mas que no cinismo dos extremismos  do Brasil de agora, se mostra em franca evidência e ascensão, que é o ator político e eleitor que eu chamo mais carinhosamente ainda de eleitor cúmplice.

Por mais que pareça absurdamente óbvio tal contradição, não há absolutamente quase nada que aconteça nos lugares mais altaneiros de uma república que não se pareça muito com as diversas representações  sociais do nosso imaginário como população. Ou seja, tem que haver o mínimo de cumplicidade social para que os poderes de uma república se organizem ou se deteriorem, principalmente se ela for uma república democracia. Pois eu não faço a separação entre pulação e poderes constituídos como fez Machado de Assis. Talvez naquela época do século XIX para o século XX isso fizesse algum sentido, mas hoje nos tempos da informação eu creio que não o faça. Sendo assim eu afirmo que uma pessoa que não esteja devidamente informada, como nós que vivemos na região metropolitana do Rio de Janeiro estamos, de como essa cidade funciona em cada lugar das suas relações de poder, não saberá identificar o que hoje ocorre nos bastidores da república brasileira. Pois aqui há lugares que simplismente nós não podemos entrar sem conhecermos pessoas da localidade, sob pena de sofrermos replesárias violentíssimas. Porém alguém pode pensar assim, mas isso é coisa que só ocorre nas favelas. Não, engana_se quem pensa dessa maneira, pois as atividades paramilitares são vistas muita das vezes a olho nu, não apenas no interior das comunidades mais carentes, mas os rumores a respeito das milícias e até do tráfico ocorrem também no asfalto onde nós moramos. A ponto de nós ouvirmos relatos de pessoas de universidades públicas da cidade que sofrem interferências de comandos ocultos pela ilegalidade. O próprio professor Paulo Guiraldeli em um dos seus vídeos, fala sobre essa realidade que ele mesmo viveu de perto quando ele foi professor da Universidades Rural de Seropédica. Ou seja, se é mesmo verdade que uma universidade pública sofre interferências de forças ocultas que não são devidamente militarizadas pelo Estado, e hoje nós ouvimos cada vez mais nomes como Escritório do Crime, Queiróz, capitão Adriano, milícia, e todos essas coisas ligadas à família do presidente da república e ao próprio presidente, nós precisamos reconhecer sem medo de errar, que mesmo isso que aparenta ser tão absurdo, é muitíssimo parecido com a gente, pois esses movimentos não imfluenciariam as favelas, não desceriam para o asfalto, não interfeririam  nos interiores das festinhas de universidades públicas, não imfluenciariam os interiores das nossas câmaras legislativas e não seriam as bases  que originaram o atual presidente da república, se não houvesse uma ampla cumplicidade entre os atores da política e da cidadania, que também somos nós, com todo esse submundo. E o que é mais contraditório é que como essas coisas não têm muito filtro no dia a dia da cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana, agora quando elas vêm em aliança com o poder, elas se mostram publicamente como elas aparecem a nós moradores da cidade a cada dia, de maneira bem explícita e muito escancarada.

Da mesma maneira como a cidadania passiva nos conduz à práticas aparentemente burocráticas, corriqueiras e automáticas como o simples direito de andar pelas ruas ou como uma simples compra no mercadinho da esquina, que tem lá o seu devido CGC, as intervenções da ilegalidade a partir dos morros e das periferias da cidade nos levaram a outras formas de comportamentos passivos, que como são impostos por grupos paramilitares, promovem uma espécie do que eu chamo carinhosamente de paracidadania passiva. Essa paracidadania da passividade, ao contrário da cidadania passiva, aparece quando as práticas do cotidiano são simplismente atravessadas pela paranormalidade das localidades onde as pessoas são incentivadas e até intimidades a assinar a gato get desses interventores ilegais, quando os cidadãos são obrigados a só consumir o gás dos negócios clandestinos da milícia, do tráfico ou de ambos, quando a gente passa a não ter mais o direito de ir e vir em partes consideráveis da nossa geografia urbana, quando nós precisamos pagar a grupos privados e marginais por um direito público como a nossa segurança e etc. E como essas coisas fazem parte da normalidade vivenciada na nossa urbanização, sobretudo na urbanidade do Rio de Janeiro, essas ilegalidade explícitas que nós assistimos pela região metropolitana do Rio de Janeiro, gerou os seus devidos candidatos a vereador, a deputado estadual e federal, a senador e agora a presidente da república. E como eles estavam já acostumados à viver em meio a esses ilícitos de uma maneira muito explícita, quando eles chegaram à presidência da república, o que era pornograficamente explícito aos nossos olhos de cidadãos cariocas e fluminense, se apossou da presidência da república de tal forma, que um advogado do presidente abrigou nos interiores das suas propriedades, um cidadão chamado Fabrício Queiróz, que além de pertencer às perigosíssimos milícias segundo investigações do Ministério Público, ainda têm revelações a fazer que podem comprometer diretamente a reputação já tão abalada do presidente da república e de toda a sua família. Tudo isso também prova que  as várias relações ilícitas que fazem parte do poder não são apenas um fenômeno político que habita as superestruturas da república, mas elas também fazem parte de uma grande cumplicidade que se espalha sempre por partes consideráveis da nossa vida e por espaços privilegiados da nossa paisagem urbana. Ou seja, direta ou indiretamente, somos cúmplices disso tudo. Principalmente agora, onde vários especialistas estão denunciando o que eles chamam de milicianização das polícias em quase todo o território nacional por causa da influência da presidência da república, que pelo que aparenta, trata o Brasil como se o país fosse uma grande periferia carioca e um imenso morro do Rio a céu aberto.

Quando eu falo a respeito da nossa cumplicidade em relação à ilicitude que aparece na paisagem urbana de uma grande cidade a exemplo do Rio de Janeiro, tal cumplicidade não ocorre necessariamente por causa da maldade de cada cidadão afetado por ela, pois essas irregularidades são células orgânicas que cumprem um papel social, econômico e político muito peculiar na vida dos nossos grandes centros urbanos. Inclusive, essas células oficiosas empregam os excedentes de mão de obra barata e não qualificada nas suas atividades, seja na segurança privada clandestina, seja entre os soldados da milícia e do tráfico de drogas, seja no Jogo do Bicho e etc. E por que ocorre uma realidade como essa? Isso acontece também porque o Brasil é um país que hoje tem uma população que praticamente duplicou e passou de 120 para 220 milhões de habitantes nos últimos 50 anos. Mas enquanto o país crescia, e crescia muitíssimo, da década de 30 até a década de 80, os ativos desse crescimento jamais foram investidos em um desenvolvimento humano e cultural de inclusão social e de distribuição de riquezas através da qualidade de uma educação popular que acompanhasse o ritmo do nosso crescimento econômico. E isso se agravou porque esse crescimento começou a decair durante a chamada década perdida, que foi a década dos anos 80. De lá pra cá, permanecemos dando continuidade hora mais hora menos a uma tradição que faz do nosso país uma das nações mais desiguais do mundo. Inclusive segundo a instituição Transparência Internacional, o que faz com que um país seja cada vez mais corrupto, é a sua desigualdade social. Sendo que o contrário ocorre entre as nações que mais investem em igualdade, pois elas são as menos corruptas do planeta. Desta maneira, as atividades ilícitas, que em praticamente todo o mundo se alimentam dessas condições de desigualdade, acabam se democratizando criminalmente em lugares como o Brasil, sobretudo na região metropolitana do Rio de Janeiro, a ponto dessa criminalidade se emaranhar no dia a dia da própria condição humana regular, se espalhando entre as moradias, atravessando as atividades econômicas, se interpondo entre os setores da política, e pasmem, se colocando até entre as atividades religiosas das pequenas, das  médias e de algumas grandes igrejas evangélicas. O resultado disso tudo é que a paracidadania dessa ilicitude se mistura quase sempre com o modus vivendi da vida normal, e isso faz com que os cidadãos vivam não apenas perante à cidadania passiva da burocracia diária, mas também as pessoas passam a dialogar normalmente com essa espécie de paracidadania da passividade que circula em quase todos os espaços urbanos e institucionais da cidade. Essa paracidadania está em quase todos os lugares, entre os flanelinhas que cobram para tomar conta do nosso carro para que ninguém o deprede, entre os seguranças particulares do comércio, ligados ou não às milícias, que cobram para evitar a quantidade de roubos no comércio, entre os comércios de pirataria que são ligados à criminalidade, mas que mesmo assim emprega o cidadão pai de família bem intencionado e etc. Diante dessas informações, é muito importante frisar que na família Bolsonaro, não é bem a corrupção política organizada tradicional que está sendo posta em prática como outrora, mas sim um tipo de malandragem nossa de cada dia vivida a partir dos morros e das periferia cariocas. É isso que o presidente está levando para as instituições da repúblicas. Por isso a vulgaridade da sua linguagem, pois a milícia e o tráfico procuram sempre se interpor através do medo e das intimidações. Por isso as constantes ameaças de golpe, pois isso é para que as pessoas tenham medo e o deixem mais ou menos em paz. E quem conhece o dia a dia do Rio sabe, ele tem a linguagem dos milícianos, que muitas das vezes para se impor como autoridade de um determinado território dizem coisas do tipo: chega porra!!!

Diante dessa aparente presença incontesti da paracidadania da passividade, e principalmente agora com a ascensão da mesma nos aparelhamentos da república, como passar da cidadania passiva para a cidadania ativa?

A cidadania ativa ocorre quando nós ultrapassamos e superamos o simples cotidiano da cidadania passiva e desenvolvemos formas de participação política, seja por uma adesão a uma campanha que esteja nas redes sociais, seja participando de uma manifestação pública, ou seja simplesmente comparecendo às urnas no dia de uma eleição. Mas já tivemos a oportunidade de ver que muitas das vezes não há como nós vivermos em todas as situações praticando  a simplicidade da cidadania passiva, que é para ser vivenciada na normalidade do cotidiano. Pois devido à ascensão das atividades ilícitas que se formam nas nossas redondezas, próximas aos nossos locais de trabalho e a partir das periferias e morros das nossas cidades, a cidadania passiva da legalidade precisa conviver com a paracidadania ilegal da passividade como forma de sobrevivência diante de uma ameaça iminente. Mas perante todo isso, como nós praticaremos a cidadania ativa nas nossas cidades e centros urbanos com todos esses fenômenos geopolíticos e humanos semelhantes ao que ocorre na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro? Pois se diante da cidadania ativa nós nos comportarmos politicamente como nós nos comportamos na esfera da paracidadania da passividade, como nós vamos superar a sua ilegalidade? será que mesmo com a oportunidade de praticarmos a cidadania ativa, nós vamos nos utilizar da sua legalidade e legitimidade  para apoiar e votar nos mesmos atores políticos que vivem ancorados no dia a dia da paracidadania passiva?

Quando nós praticamos a paracidadania passiva não há a princípio muitas opções, pois os indivíduos que nos cercam de ilegalidade, estão com os seus braços amados muito próximos da nossa convivência para que nós possamos reagir ativamente. Com isso desenvolvemos maneiras de cumplicidade para  com a ilicitude como simples forma de sobrevivência. Mas e quando eu tenho a oportunidade de através de uma passeata, e quando nós temos a possibilidade de através das redes sociais e quando nós temos as chances de praticarmos todo tipo de cidadania ativa através do voto e mesmo assim continuamos apoiando os atores políticos que se beneficiam politicamente das ilegalidades impostas pela paracidadania passiva? será que permaneceremos sendo cúmplices de toda  falta de decoro desses atores e marginais da cena política?

Hoje assistimos persplexos a um cenário quase surreal na cena política do país. Pois  salvo os que se beneficiam diretamente do atual governo e salvo os que são amantes da mais pura aberração política, não há nenhuma maneira de creditar qualquer esperança real nesse governo que hoje nos preside. Pois como está muito claro, o presidente Bolsonaro e familia são hoje os maiores representantes desse poder paralelo que tomou conta da cidade do Rio de Janeiro e que quer se espalhar por todos os setores da república e dos espaços geopolíticos, urbanos e humanos do país com um projeto de poder que visa globalisar as nossas cidades com a paracidadania passiva imposta pelas ameaças e através medo. Mas mesma antes de chegar ao poder como presidente, Bolsonaro já deixava bem claro o que ele é, pois o mesmo já havia dado apoio político à formação das milícias, Bolsonaro já havia dito que era contra o voto, Bolsonaro já havia dito que se eleito para Presidência da República fecharia o Congresso no mesmo dia, Bolsonaro já havia dito que é a favor da tortura, Bolsonaro já havia dito que só com uma guerra civil o Brasil iria pra frente, Bolsonaro já havia dito que nós teríamos que fuzilar uns trinta mil, e depois de muitos e muitos anos como deputado e como presidente da república, o presidente permaneceu falando coisas criminalmente ilícitas e homenageando a torturadores da História do Brasil e do mundo como ele o fez com o condenado pela lei dos Direitos Humanos general Carlos Brilhante Ustra e como ele o fez em relação ao falecido assassino condenado pela justiça capitão Adriano do Escritório do Crime de Rio das Pedras. Ou seja, no dia a dia das nossas cidades é muito difícil as vezes praticarmos à cidadania ativa por causa dos braços armados clandestinos que estão à nossa volta, razão pela qual por constrangimento, somos obrigados pela nossa segurança e pela segurança das nossas famílias, a praticarmos a paracidadania da passividade. Mas diante da cidadania ativa, quem tinha todas essas informações a respeito do Bolsonaro, e mesmo assim votou nele, principalmente no primeiro turno das eleições de 2018, é cúmplice de todos os atos ilícitos que ele tenha praticado como político, e principalmente como presidente da república. E tais pessoas também podem se considerar cúmplice  de toda essa  irresponsabilidade assassina do presidente diante do total descaso dele para com a morte de milhares e milhares de brasileiros por causa da pandemia do Corona Vírus. Pois o seu descaso em relação à vida humana não começou agora, pois isso já vem desde a muito tempo quando ele falava em solução para o país através de uma guerra civil, isso ocorre desde quando ele falava em tortura para adversários políticos e isso acontece desde quando ele clamava pelo fuzilamento de cerca de 30 mil brasileiros.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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