PARÁBOLAS DO SÉCULO XXl

Uma família feliz, dessas que de tão estáveis parecem até que em parte se alienaram um pouco das maiores complexidades da vida, saiu para realizar a compra de mais um bem dessa gente de classe média, que necessita de forma quase vital ver os objetos domésticos se multiplicarem gradativamente dentro de casa a cada pagamento que beneficia o casal. O objetivo do marido era demonstrar aos colegas do trabalho que os frutos da promoção no emprego não foram em vão. O objetivo da melhor era poder finalmente chegar ao salão de cabeleireiro, à manicure e à escola das crianças com aquele ar vitorioso de quem nem precisa falar muito para comunicar aos outros que a família subiu mais um patamar na pirâmide social, pelo simples fato de que finalmente a prestação de um belíssimo automóvel caberá  no calculado orçamento famíliar. E o objetivo dos filhos do casal era aquela tentadora fantasia infantil juvenil de crianças, que agora sim podem encher o peito e falar assim para os coleguinhas da escola e da vizinhança, olha o carro que o meu pai e a minha mãe comprou! para o desespero do amiguinho que o papai ainda não passara de uma simples bicicleta enferrujada.

Porém fazia um tempo que o papai das crianças demonstrava algumas preocupações internas com o futuro das crianças que o inquietavam por demais, pois ele percebia que os seus filhos ficavam durante horas a fio  debrussados ao Smartphone, e como ele começara a trabalhar desde a pré adolescência, e praticamente não teve tempo de realizar as mais diversas travessuras de menino como correr, pular, saltar, nadar, jogar bola e beijar pela primeira vez, o homem se utilizou do seguinte estratagema para transformar a infância virtual dos filhos em uma infância real e cheia de encantamentos. Pois o homem, para o desespero da vaidade da sua esposa, para a decepção mais aguda dos seus filhos e para o espanto arregalado do vendedor da agência, escolheu o carro mais velho, mais enferrujado e que nem pintado estava ainda, o qual se encontrava em um ferro velho bem ao lado da belíssima agência de automóveis e que pertencia ao mesmo proprietário. E apesar da relutância de todos, o homem insistia veementemente e dizia com a mais absoluta certeza, eu quero aquele carro velho e enferrujado! E assim a sua vontade fora feita para a zanga de toda a sua família e para o estranhamente de todos os vendedores da agência, que com a mais absoluta certeza pensaram, mas que cara louco, sai de casa com dinheiro para comprar um automóvel novo e vai embora arrastando uma lata velha!

Um mês depois,o vendedor da agência de automóveis que vendeu o carro velho para a família passou em frente à casa da mesma que comprara o carro enferrujado, que inclusive mal chegou em casa no dia da compra polêmica, de tão destruído que ele  estava, e vislumbrou um belíssimo automóvel vermelho na garagem, que mais parecia a versão mais inovadora de uma Ferrari. Quase que contendo o riso o vendedor perguntou ao homem, senhor, eu sabia que vocês não ficariam com aquele carro, afinal de contas ele estava por demais acabado. Mas para a surpresa do jovem intrometido a mulher virou para ele e disse diante do olhar altivo do seu marido, não meu jovem, esse belo automóvel que está aí na nossa garagem é aquela mesma lata velha que nós compramos no ferro velho que estava ao lado da agência. Atônito o jovem perguntou, mas o que vocês fizeram para deixá_lo assim?e orgulhosa a mulher respondeu, foram as crianças que trocaram as peças, que reformaram o automóvel, que pintaram o carro de vermelho e o deixaaram assim. Por sua vez o marido mais orgulhoso ainda respondeu ao jovem dizendo, eu fiz isso simplesmente para ver os meus filhos aproveitarem a oportunidade de enxergar a vida para além das telas. Eu agi assim para que eles tivessem a oportunidade de ver o mundo para muito além da Matrix. E hoje, a despeito da minha infância sofrida, os meus filhos também correm, saltam, pulam arremeçam e até já deram o seu primeiro beijo, pois ao reformar o carro da família e esquecer um pouco o Smartphone, eles descobriram que o mundo não está pronto, e para que haja tempos melhores, esses dias precisaram ser construído por nós.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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