CRÔNICA E FILOSOFIA: O DESAPARECIMENTO DA IRA

O país está passando por momentos muito contraditórios e de quase total falta de identificação consigo mesmo tão grandes, que entre fevereiro e março, quando alguns países da Europa como Espanha e Itália se aproximavam e até passavam dos seus setecentos mortos por dia, nós assistíamos persplexos aquelas tragédias humanas como se elas fossem um verdadeiro absurdo agravado por homens públicos irresponsáveis que não tinham a civilidade necessária para tratar do problema. E até os acuusávamos de não levar a sério o isolamento social. Porém agora nós estamos nos aproximando da triste marca de cem mil mortos, em uma média diária quase sempre próxima a mil falecimentos, o governo federal até agora não utilizou nem trinta por cento dos recursos disponíveis no combate à pandemia, a presidência da república diz que vai usar milhões e milhões em propaganda a favor do otimismo do povo ao invés de investir em uma infraestrutura adequada de combate à pandemia, nós estamos desde a saída de Nelson Teich sem um ministro da saúde digno para a pasta e a sociedade brasileira se encontra literalmente amortecida perante a essa verdadeira tragédia anunciada, como se nós, principalmente os trabalhadores e as pessoas mais carentes, não tivéssemos hoje sequer o direito à ira contra uma presidência da república que literalmente decidiu  matar os mais pobres para amortizar a dívida do Estado brasileiro perante à mais valia social. Mas será por que, quando e a partir de que momento nós como brasileiros nos tornamos essa verdadeira "água de salsicha" política, que não consegue reagir a contento nem diante desse verdadeiro genocídio político impetrado pelo governo Bolsonaro? Será que está faltando um pouco de ira nas nossas tímidas ações políticas? será que está faltando um pouco mais sangue na veia? será que temos mesmo é uma certa vocação histórica para termos sangue de Barata correndo pelas nossas veias? ou será que o está nos faltando é simplesmente uma boa pincelada de vergonha na cara, respeito a nós mesmos, respeito a quem nós amamos e principalmente respeito à humanidade?

Tem um tema no YouTube, no meu canal Filosofia com Eldon Rosamasson, que também está no meu Face, no meu grupo de Facebook Filosofia com Eldon Rosamasson e no meu blog, Rosamasson ponto blogspot ponto com,  cujo o título é "O orgulho e bom." Nele eu falo sobre a importância da utilização da condição humana do orgulho como uma importante ferramenta de ação política. Pois esse sentimento com todos os seus aliados, a honra e a irá, perderam muitos espaços éticos a partir da cristianizacão do Ocidente. Mas especialmente agora, onde nós estamos diante de um governo que se utiliza do pensamento mágico, da superstição e da fé evangélica para conquistar espacos políticos, os nossos gestores públicos federais estão fazendo um grande esforço para conter a ira das pessoas diante da total incompetência da atual gestão do poder executivo. E o que eles estão fazendo para conter a reação das pessoas?eles estão simplesmente se utilizando do que eu chamo carinhosamente de imunização moral de rebanho, que é o investimento em uma suposta mansidão das ovelhas da nação, que devem sim orar pra Jesus e investir na esperança, mesmo que as ações da presidência do executivo sejam as mais sem pé nem cabeça possível.

Quando nós estudamos a arte da guerra das grandes civilizações do passado, a tradição chinesa, a cultura japonesa, a areté grega, a virtus latina e etc, a gente sempre  presencia o fenômeno da honra como um importante valor ético e moral entre os povos. Mas como nós fazemos parte de um tipo de aculturação onde  também está presente a cultura judaicocristã, a virtude aparece a nós com valor alternativo através de um outro conceito, que é o conceito de varonilidade. Tanto é que diante de uma batalha iminente, o escritor diz que o Senhor Jeová falava ao povo dele dessa mentira, "povo de Israel, portai_vos varonilmente." Ou seja, portai_vos com coragem e lutem sem temor, pois eu o Senhor Deus de Abraão, Isaque e Jacó sou contigo. Dentro desse caldo de cultura, a honra varonil, que precede a coragem, só poderia se apossar de um homem se a mesma estivesse totalmente submetida à soberania do Deus Altíssimo. Pois bem, é sob a base distorcida desses valores sagrados que hoje a propaganda do governo apela para a esperança religiosa em um Estado laico onde o governo cismou que tem que fazer o Deus da Bíblia entrar pela porta dos  fundos de uma república que é laica desde 1889, e que desde essa época convidou Deus para sair pela porta da frente da gestão do Estado.

Ao passo que existe um grande vício histórico da tradição judaicocristã e pseudo platônica em afastar qualquer coisa que não seja a dualidade entre razão e paixão da nossa ética e da nossa moral, não era dessa maneira que se pensava no passado. Essa ética planônicocristã, sempre se preocupou em demonizar a ira como se só Deus tivesse o direito de sentí_la. Neste caso,  nós seres humanos, teríamos que simplesmente terceirizar os nossos sentimentos iracundos para que os anjos do Senhor pudessem executá_los por nós enquanto a gente se esforça para ser e para parecer racionalmente bonzinhos. Mas contrariamente a essas tradições, um grande exemplo  sempre esteve nos conceitos da areté grega, desde a areté guerreira até a areté política. Pois tanto a areté dos gregos como a virtus latina é a virtude que diferentemente da varonilidade judaica, valorizava e muito a ira dos homens como um dos principais fundamentos da ética e da virtude. 

Platão por exemplo, dizia que nós temos três centros que motivam os nossos pensamentos, os nossos comportamentos e as nossas ações. Um fica localizado nas regiões do baixo ventre, o outro fica na região do peitoral e o terceiro se encontra nas regiões onde está localizada a cabeça. O primeiro centro, que são os nossos lugares baixos segundo o filósofo, são o centro das  paixões dos homens, razão pela qual um indivíduo sábio precisaria se afastar cada vez mais das influências desses apetites apaixonados para que a sua consciência não se perdesse em pátos, que é a paixão. Porém é na região do peito que se localiza os valores mais altaneiros das motivações da virtude, das ações da coragem e dos movimentos da ira. E para Platão, as ações virtuosas e de coragem jamais poderiam ser bem sucedidas se as mesmas não fossem também alimentadas pelo tímos, que é a ira. Desta maneira, quando a virtude, quando a coragem e quando a ira está devidamente amadurecida em um indivíduo, segundo Platão, ela se encontra finalmente pronta para servir a nossa consciência racional com motivações corajosas e virtuosas, que repito, precisam agir motivadas também por tímos, que é a ira.

No Brasil temos uma longa história de desconfiança das nossas elites com respeito às insurreicões que motivam a ira do povo. E sempre quando essas manifestações aparecem a partir das suas bases populares, há sempre a disseminação preconceituosa e elitista  que se espalha dizendo que as revoltas iracundas do povo são na realidade revoltas da ignorância. Se trata de um domínio mórbido da racionalidade, que na maioria esmagadora das vezes, jamais serve ao povo como um todo. Isso ocorreu em relação à Revolta dos Cabanos, isso aconteceu com relação à revolta de Antônio Conselheiro, que redundou na Guerra de Carnudos, o mesmo ocorreu com o advento da Revolta da Vacina e etc. Em suma, somos um país de poucos momentos onde o povo e as suas bases conseguiram ser os protagonistas dos nossos movimentos sociais mais significativos historicasmente. Ou seja, as nossas revolução são costumeiramente movimentos de revoluções feitas por cima e entre as elites, para depois se apropriar das nossas bases populares, pois até a ira popular as elites brasileiras conseguem controlar, tutelar e domesticar quase sempre.

A poucos dias percebemos uma pequena aurora de ira popular se desenhar por várias cidades brasileiras. Vimos os entregadores de aplicativo se revoltar contra as suas péssimas condições de trabalho nas grandes cidades, assistimos esperançosos às torcidas organizadas, principalmente a torcida corintiana ir às ruas contra as arbitrariedades do governo e etc, mas eu não sei bem por quais razões, mas o grito da ira popular está tendo muitas dificuldades para sair das gargantas do povo, apesar de hoje termos um governo e uma presidência da república que simplesm está tomando todas as medidas possíveis para simplesmente matar o maior número de brasileiros possível. E a não ser que alguma pessoa esteja muito embriagada ética e moralmente, com certeza ela não achará normal que o gestor presidente de um país negue água potável para as populações indígenas como nós estamos presenciando, simplesmente para que essas etnias possam morrer em paz e de Covid 19. Afinal de contas essas foram as falas do nosso mandatário, "todo mundo morre um dia", "eu não sou coveiro" e etc.

Os movimentos de manifestação popular e de ira do povo estão por algumas muitas razões bastante parados, sufocados e por que não dizer abafados, pois agora como eles começaram a surgir a partir de bases populares como as torcidas organizadas fizeram recentemente, as nossas elites sociais e políticas logo logo se movimentaram para abafar as manifestações. E para nos transformar definitivamente em ovelhinhas obedientes do pastor Bolsonaro, que morre aos poucos e quietinhas para não dar muita despesa para a república, agora a presidência da me saiu com essa, pasmem meus amigos, os caras vão investir milhões e milhões de dinheiro público, pago com os nossos impostos, em propaganda para aumentar a esperança do povo, simplesmente porque o nosso Pangaré da República entende que muitas pessoas estão morrendo em massa no país porque todos os médicos não estão receitando a "Cloroquina Cloroquina, Cloroquina de Jesus" e porque as pessoas estão sem esperança, e não por causa do contágio que é transmitido de pessoas para pessoa. Ou seja, se você não consegue ficar irado com isso, eu sequer vou pedir para você se matar, porque você já morreu a muito tempo e perdeu o endereço do cemitério.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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