CRÔNICA E FILOSOFIA: O FENÔMENO GUIRALDELI
Reputo ao professor e filósofo Paulo Guiraldeli, uma verdadeira revolução episstemológica na minha formação de esquerda, que teve início desde quando eu fui aluno da dona Isa e do professor Helmut lá na segunda metade da década de 80 no colégio Medianeira de Barra do Piraí. Mas o que torna esse professor tão especial, a despeito das últimas contradições que têm ocorrido em torno dele?
Conheci quase todos os grupos, sites, canais e pensadores de esquerda mais populares nas redes sociais nesses últimos tempos antes de ter acesso ao pensamento de Paulo Guiraldeli Júnior. Sobretudo aos seus pensamentos de crítica ao governo Bolsonaro. Inclusive tenho uma predileção especial pelo jornalista Breno Altman, que é o articulador do canal Ópera Mundo. E principalmente tenho profunda admiração também pelos economistas Maria Lúcia Fatorelli e pelo professor Ladislau Dawbor, os quais, salvo o jornalista Breno Altman, são também muito admirados pelo professor Paulo Guiraldeli, para a minha grata surpresa.
A crítica do professor Guiraldeli tem uma característica muito singular em relação à algumas outras metodologias do senso comum intelectual, pois ele vai um pouco além dos excessos daquilo que eu costumo chamar carinhosamente de estatização da crítica. Esse excesso de estatismo crítico age como se todos os nossos problemas estivessem encarnados nas contradições do Estado, que seria sempre suposta e potencialmente corrupto. Neste caso, o Brasil teria um problema básico, a corrupção de quase todos os nossos agentes públicos. Sendo assim, a solução dos grandes problemas nacionais estariam em um pensamento de classe média, que acha que quando a "roubalheira" no Estado acabar, tudo estará resolvido na terra brazilis, pois as soluções que nos colocariam no rumo certo não conseguiriam ser levadas a bons termos pelo simples fato de não sobrar dinheiro para as coisas excenciais. E isso por causa da corrupção, e não por causa da falta de prioridades sociais, sobretudo na qualificação ao máximo da educação popular, e não por causa da falta de uma austera infraestrutura de crescimento, de desenvolvimento e de industrialização do país que amenize os nossos problemas de desigualdade social e de classe.
Esse excesso de estatização da crítica alcança inclusive alguns pensadores relativamente populares, que eu até admiro também. Reinaldo Azevedo por exemplo, que é um jornalista brilhante, e que eu assisto praticamente a todos os programas, também tem uma crítica, que apesar da contundência, age como se o Estado jamais fosse atravessado pela presença contraditória do mercado financeiro. Eu por exemplo, jamais ouvi o Azevedo criticar as "operações compromissadas" que os bancos fazem na sua relação com o Estado brasileiro. É claro que talvez esse pensamento do jornalista tenha uma relação com aquela ideia, muito citada pelo sociólogo e pesquisador Jessé Souza, de que o mercado é sempre visto como aquele lugar indiscutível da excelência de todas as liberdades. E neste caso, a corrupção estaria jamais no financismo privado de uma economia, mas sempre no caráter do Estado e no caráter contumas dos nossos homens públicos, mesmo se os corruptores do mercado das finanças estiverem sempre habitando sorrateiramente no interior do tráfico entre os estados nacionais, os bancos e as financeiras. Razão pela qual eu vejo na crítica do Reinaldo Azevedo uma grande assertiva técnica, sobretudo quanto ao rigor da lei, mas eu a vejo também como insuficiente na sua raiz por ela não atacar as contradições do financismo neoliberal na vida social, cultural e politica no mundo de hoje, sobretudo no Brasil de agora. Ou seja, Reinaldo Azevedo é incisivo na virulência, mas demasiado excessivo no conservadorismo, a ponto de passar regularmente um paninho retórico nas contradições do mercado financeiro na nossa Economia, a despeito desse interferir tanto na legalização progressiva da imoralidade de fenômenos financeiros como o "enxugamento do caixa" dos bancos por intermédio do poder público.
Um outro crítico, que está também bastante presente no vocabulário das redes digitais, é o historiador Marco Antônio Villas. Esse a meu ver, tem uma postura muito próxima ao pensamento nacional desenvolvimentista, que no Brasil foi muito utilizado por Getúlio Vargas, por Jucelino Kubitschek, e guardadas às devidas proporções, também fez parte da propaganda de governo durante o período militar. A admiração pelo desenvolvimentismo de Estado é de tal ordem no Vilas, que o historiador já disse até que de 64 a 84 não houve ditadura militar no Brasil. Mas talvez, devido às muitas críticas que recebeu, ele mudou de ideia e falou que o que houve durante esse período não foi sempre uma ditadura, pois a mesma teria ocorrido somente no período que vai de 68 com a implementação do Al 5 até o ano de 78 com a Reabertura gradativamente do regime de governo. O que eu discordo plenamente, pois em qualquer enciclopédia, quando uma única instituição é a responsável pela concessão de direitos e deveres em uma república, isso é sim uma ditadura.
Esse afã nacional desenvolvimentista faz Marco Antônio Villas rasgar até sedas de alogios a ditadores sanguinários como Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. E sob o mesmo elogio, ele também trata com muita brandura um dos principais, senão o principal responsáveis pela dívida externa que minou quase todas as expectativas de investimento do Estado brasileiro por causa da agenda econômica dos militares, Delfim Neto, também um dos principais, senão o principal articulador do fracassado "milagre econômico de 68 a 73." Villas chega até mesmo a fazer a seguinte pergunta irônica: "o que é o mercado, ele é gordo, ele é magro, ele é feio ou ele é bonito? Ou seja, ele age como se os principais operadores das contradições disso que nós chamamos de "o mercado" fosse sempre muito invisível. E ele se comporta também como se os principais acionistas, que se beneficiam do financismo econômico, e que hoje são também representados pelo Paulo Guedes e pelas lideranças da FIESP, jamais pudessem ser realmente mirados a olho nu. Ou seja, Marco Antônio Villas é um dos principais representantes do desatualisado excesso de estatismo crítico de agora, que pensa como se o principal problema que realiza as nossas contradições, estivesse apenas concentrado na competência ou na incompetência dos nossos homens públicos. Não que a crítica aos mesmos não seja imprescindível. Concluo que Villas age timidamente contra as interferências do financismo econômico neoliberal no mundo de hoje. E concluo também que ele pensa timidamente contra a excessiva interferência financista nos interiores do próprio aparelho de Estado, que procura diariamente transferir a mais valia social para os investimentos do mercado financeiro.
Essa crítica eu não ouvi pela primeira vez com o professor Paulo Guiraldeli confesso. Antes eu tive contato com parte dela através da doutora Maria Lúcia Fatorelli e com o sociólogo Jessé Souza. Mas como a minha especialidade é a Filosofia, eu penso que o professor Guiraldeli a desenvolve com uma singularidade muitíssimo peculiar, a qual eu me identifico muito. Através dele também tenho sido incentivado a retornar a alguns autores como Guy Debord, Gilles Deleuze, Félix Guatari e etc. E também tive os primeiros contatos com gratas surpresas como Agamber, como Lipovetsky, como Byoung Show Han e etc. Ou seja, não há hoje no Brasil um autor o qual eu me identifique tanto como o professor Paulo Guiraldeli. E as razões principais eu já disse acima, a sua grande intuição intelectual na crítica ao Estado de hoje, a sua crítica assertiva à financeirização da Economia no interior dos Estados nacionais, principalmente no Brasil, e sobretudo a sua crítica ao governo Bolsonaro, onde está a sua maior contribuição. Pois o professor Guiraldeli faz questão de desconstruir a ideia de que Bolsonaro é um ditador que quer dar um golpe na democracia. Não, para o filósofo, Bolsonaro sempre foi um vencedor dentro do sistema democrático. Essa história de golpe, de AI 5 e de participação em atos que pedem o fechamento do Supremo, é tão somente para o governo manter os fanáticos inflamados. Até porque para sustentar uma ditadura o sujeito precisa realmente saber governar, o que não é o caso de Jair Bolsonaro. Neste caso, o que o presidente planeja segundo ele, não é o fim do regime e do direito ao voto, e sim o sucateamento da República através do sucateamento progressivo das suas instituições, o Congresso, o Senado, o STF, a Polícia Federal, o Ministério Público, o Ministério da Saúde e etc. Para fazer isso, Bolsonaro chama os indivíduos mais incapazes possíveis para que a Democracia permaneça, mas que as instituições republicanas sejam aviltadas. E qual seria a finalidade desse governo segundo o filósofo Paulo Guiraldeli? A finalidade desse governo segundo ele seria a implantação do que Guiraldeli chama de Anarcocapitalismo. Anarcocapitalismo é um regime de funcionamento da política onde o Estado se afasta definitivamente de praticamente todas as demandas de uma sociedade. Para suprir a ausência do Estado, a Milícia passaria a cuidar da segurança entre os grupos sociais, as igrejas evangélicas cuidariam da parte espiritual e de assistência social, a economia continuaria funcionando, principalmente através dos maiores beneficiários dos favores do Estado e dos seus investimentos no mercado financeiro, e com o distanciamento do poder público, os espaços urbanos se transformaram em lugares disputados à bala onde vingaria a lei dos mais fortes. Razão pela qual Bolsonaro procura sempre investir no caos. E através da Pandemia do Corona Vírus, ele não age corretamente, exatamente para que a sua não atuação possa gerar o caos necessário para que o seu Anarcocapitalismo se torne viável. É como diz o professor Paulo Guiraldeli Júnior, Bolsonaro é o maior agente do vírus, ele é uma espécie de "homem vírus", o qual a Pandemia escolheu o seu próprio corpo para se propagar pela sociedade.
Mas o que mais me agrada na crítica desse professor são as objeções que o mesmo faz à esquerda, que em alguns casos ele chama de "esquerda cirandeira." Paulo Guiraldeli é um crítico de alguns lugares do senso comum intelectual como a ideia de a "união das esquerdas." Neste pormenor, guardadas as devidas proporções históricas, isso faz algum sentido, pois se a esquerda se tornar tão fisiológica como são fisiológicas as tradições de direita em busca dos mais diversos interesses privados, a esquerda deixa de ser esquerda, e fatalmente, ela corre o risco de se tornar essa verdadeira "água de salsicha" política que se tornou a esquerda brasileira de hoje, que por excesso de alianças políticas meramente fisiológicas, simplesmente desmobilizou as bases populares do nosso progressismo. Principalmente por causa das contradições realizadas através do PT. Mas não apenas por causa da desonestidade desse partido, mas principalmente porque o PT se afastou demasiadamente das suas bases populares e das ruas.
Mas eu seria muito injusto com a minha consciência, e principalmente com o próprio professor Guiraldeli, se eu não fizesse também uma crítica que eu pense ser minimamente construtiva em relação às suas abordagens. E se alguém acha mesmo que eu vou ficar no senso comum intelectual para chamá_lo de machista, e até de pedófilo, pode tirar não só o cavalinho da chuva, mas também todo o estábulo da tempestade, pois eu não vou fazê_lo. Aliás, não entendo porque um homem dizer que a melhor coisa que Deus criou no mundo foi o órgão genital feminino seja coisa de um machista contumas. Até porque, acho que para a maioria esmagadora dos heterossexuais convictos, por mais que essa declaração pareça grosseira, se falada sem uma certa sofisticação, dependendo do apetite sexual de um membro da espécie dos homo sexus, eu penso que essa premissa não seja necessariamente tão falsa assim. Independente de a mesma ser ou não uma declaração machista no contexto. E quanto ao fato do professor Guiraldeli ser pedófilo por gostar de xaninhas novinhas, essa acusação, além de ser muitissimo grave, ainda faz parte do procedimento mais usado hoje pela lacração digital da "cultura do cancelamento." Ou seja, quando as pessoas perdem a razão ou simplesmente não conseguem debater dentro dos temas propostos, e não se sentem confortáveis mais para chamar o seu opositor de viado FDP, de velho gagá ou de piranha em público, apela_se logo para um dos pontos que hoje mais afetam moralmente a reputação dos indivíduos, que é a acusação de ser estuprador, pedófilo, abusador ou coisas do gênero. E pelo que eu pude perceber por enquanto, nenhuma das pessoas que criticam o professor Paulo Guiraldeli dentro da esquerda, foram ao coração dos conceitos críticos que ele afirma.
Porém o professor Guiraldeli tem alguns defeitos que eu não considero banais, mas que eu reputo muito mais ao campo da picuinha do que às questões que são de fato fundamentais, salvo em alguns pequenos detalhes. Guiraldeli excede um pouco ao dirigir as artilharias da sua crítica aos aspectos físicos dos seus oponentes ideológicos. E por mais que ele justifique dizendo que faz isso porque não vive em um "mundo sem corpos", muitos dos seus aliados tem aspectos físicos que também são parecidos com alguns de seus opositores, até por uma questão de estatística e lógica. Pois seria um absurdo uma pessoa dizer que os seus aliados políticos tem um corpo assim ou assado, mas que os seus adversários políticos têm sempre aspectos corporais exóticos e alternativos. Em alguns casos o exagero é inclusive muito mais evidente. E o maior de todos que eu vi da parte do professor, foi quando ele simplesmente disse sobre um dos seus desafetos políticos um "ele tem seios, opera isso!" Isso me lembre um pouco a nossa infância quando a gente brigava com um coleguinha de sala de aula no jardim e falava pra ele: mas também você é narigudo!" Ou seja, ele faz declarações não necessariamente de bullying ou de assédio moral como diriam alguns dos espadachins do senso comum intelectual que o criticam, mas isso é o que eu chamo de o clássico mau gosto, simples assim. Mas independente das minhas críticas, jamais deixarei de beber em uma fonte de tantas riquezas intelectuais como é o professor Paulo Guiraldeli.
Uma outra das suas contradições é quando ele afirma que se ele pode chamar um homem de burro, de igual modo, ele pode também se dirigir a uma mulher com a mesma virulência. Apesar de eu discordar do professor nesse ponto, também acho que a repetição de que qualquer agressividade verbal de um homem para com uma mulher seja machismo sempre é um equívoco. Pois isso me parece mais uma das perfórmances repetitivas do senso comum intelectual. Mas não concordo com o professor de que a gente deva se dirigir a uma mulher da mesma maneira como nós nos dirigirmos para alguém que esteja no interior dos nossos "clubes do bolinha." Não por uma questão de machismo ou não, mas por causa de uma coisa que eu costumo chamar carinhosamente de distanciamento de gênero. E o que seria esse distanciamento de gênero? Em todas as culturas, por mais que a gente tenha construído os nossos conceitos de igualdade entre homens e mulheres, os gêneros que aparecem na diferença entre os sexos, sempre promovem diferenças de comportamento de cada gênero entre si com relação a cada outro gênero. Por exemplo, é muito comum a nós homens nos referimos pejorativamente em relação aos nossos órgãos genitais ou aos órgãos genitais femininos, mesmo que a gente não tenha tanta convivência assim entre nós homens. Mas na hora que chega uma mulher é comum a gente dar uma maneirada. E é óbvio que entre mulheres também ocorrem coisas do gênero. E isso a gente faz não por machismo necessariamente, ou seja, a gente não para de fazer os comentários picantes só porque a dondoca que chegou não pode ouvir sacanagem. Mas a gente faz isso simplesmente porque no distanciamento de gênero a gente preserva a especialidade da diferença que há entre os sexos. É simplesmente uma questão de Fenomenologia da diferença tão somente, e não uma questão de machismo. E dentre muitas coisas, é também uma questão de educação, e até mesmo de respeito. Salvo se a intimidade entre os sexos e gêneros permitirem que haja uma certa intersexualidade eventual no meio da "sacanagem."
E finalmente, o professor Paulo Guiraldeli sempre exagerou muito nos adjetivos, mesmo justificando tais excessos em nome da honra, a qual seria capaz de produzir uma espécie de "ira santa", que seria totalmente contrária às baixezas de um simples ódio. E quando a gente excede na adjetivação, as palavras podem perder a força dos seus significados. Por exemplo, Henry Bugalho é "burro" e é "bagulho buchecha"? não, com certeza não. Gabriela Priolli é "loira burra" e Gabriela Piolho? não, com certeza não. A política A ou o adversário B tem a vagina fedorenta ou não toma banho? com a mais absoluta certeza eu penso que não. Aí deixa de ser Filosofia, guardadas as devidas proporções, e vira briguinha de criança do tipo: o seu nariz é grande, o seu pai é cabeçudo, tua bunda é grande e etc. Até porque o professor Paulo Guiraldeli tem um vasto repertório de colocações para nominar as pessoas como o conceito de "deficiência cognitiva programada" por exemplo, que eu inclusive acho muito assertivo para os dias de hoje. Guiraldeli precisa tomar consciência definitiva sobre a sua genialidade intelectual, até porque, mesmo para essa galerinha que ele chama de "esquerda cirandeira", ele é uma grande referência crítica. E eu penso que se a agressividade passar dos limites e se a palavra "bandido" na boca dele continuar sendo utilizada para indivíduos como o Fernandinho Beira Mar e para o Maníaco do Parque da mesma maneira como ela é utilizada para o Henry Bugalho, para a Gabriela Priolli, para o Mamãe Falei e etc, as próprias palavras podem perder a força dos seus significados ao serem pronunciadas.
Eu particularmente recomendo a leitura, os vídeos, os likes e o compartilhamento do professor Paulo Guiraldeli através da rede. Penso que ele seja o principal gênio da esquerda na atualidade brasileira. Principalmente porque se expõe como filósofo político atuante diante dos nossos principais problemas nacionais, e com muita autenticidade, o que é raríssimo. Principalmente nos dias de hoje. E eu penso que as minhas próprias colocações a respeito dele, inclusive na minha crítica, seja muito mais uma homenagem de um aluno estudioso que qualquer outra coisa, pois a minha vida de pensador entrou em uma "nova glória", para usar um termo do apóstolo Paulo, depois que eu ouvi o meu professor e mestre Paulo Guiraldeli Júnior. Obrigado professor, esse artigo é dedicado a ti. E sem mais, ao mestre com carinho.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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