CRÔNICA E FILOSOFIA: LULA MÍTICO E LULA REAL
Falemos agora mais uma vez, porém por outro ângulo, da nossa experiência histórica com um personagem muito conhecido de praticamente todos os brasileiros, Luiz Inácio da Silva, o Lula. Só que desta vez nós não vamos falar apenas de um Lula apenas, agora nós vamos falar de dois lulas, do Lula mítico e do Lula real. O Lula mítico é um sonhador, que durante alguns anos, embalou os nossos sonhos de uma noite de verão através de um discurso político que apregoava a igualdade social e política através do protagonismo da classe trabalhadora. Porém o Lula real é um torneiro mecânico chamado Luiz Inácio da Silva, que se tornou um importante sindicalista brasileiro, que chegou à presidência da república, que foi reeleito e que foi acusado e condenado por crimes de corrupção. Mas agora, perante essa nova decisão do STF, que considera que a delação premiada do ex ministro da Fazenda Antônio Paloci dirigida pela Força Tarefa da Operação Lava não obedeceu ao devido processo legal, que aumenta os rumores sobre a suspeição da idoneidade do ex juiz Sérgio Moro, a pergunta que não quer calar é a seguinte: afinal de contas, quem é Lula, aquele sindicalista que embalou os nossos sonhos de uma noite de verão por algumas décadas, e que por isso seria um perseguido pelas elites políticas e econômicas por beneficiar os mais carentes ou ele é simplesmente um cidadão que na realidade precisa mais cedo ou mais tarde pagar por todos os crimes que cometeu?
Na Mitologia era muito comum um herói ter duas paternidades, um pai real e um pai mítico. O primeiro era simplesmente o genitor natural do herói. Mas o segundo pai do personagem era um pai mítico, ou seja, um deus que coabitava com a mãe do personagem, e que por isso, dotava o mesmo da sua dimensão divina.
Diferentemente das mitologias antigas, que tinham as suas referências nas tradições orais a respeito do passado, os mitos modernos apontam para as possibilidades do futuro, e são também chamadas de utopias, que na realidade são metas alcansáveis ou não alcansáveis projetadas no amanhã dos nossos sonhos de liberadade, igualdade, fraternidade, justiça, inclusão e etc. E quando aquele operário do ABC Paulista apareceu na cena política brasileira entre o final da década de 70 e início da de 80, após aproximadamente quinze anos de duração da ditadura militar, o que encantava de fato nele era muito menos o rosto de pouca beleza daquele Luiz Inácio sindicalista, e muito mais as grandes possibilidades trazidas no seu discurso futurista sobre um novo Brasil que precisava ser construído e orientado como jamais o foi, através do protagonismo da classe trabalhadora. Evidentemente que essas utopias relativamente possíveis a respeito do futuro eram muito maiores que a finitude daquele Luiz operário. Mas esses sonhos nos ajudaram a consolidar a figura histórica de um Lula mítico que embalou os sonhos de multidões inteiras e conquistou um espaço privilegiado no dia a dia das nossas mais renomadas universidades e dos principais intelectuais do Brasil e do mundo. Sobretudo das academias de ciências sociais, que o projetaram internacionalmente, a ponto de Lula ser posto ao lado de Lech Walesa na década de 80. Walesa era o líder que na época presidia o Sindicato Solidariedade da Polônia.
Hoje muitos que dormiram sob o teto das cores oníricas dessas utopias, têm a impressão de que o nosso príncipe encantado se transformou de fato naquele"sapo barbudo" que o saudoso Leonel de Moura Brizola teve que engolir para tentar ser no mínimo coerente no segundo turno das eleições de 89. Pois hoje nós nos encontramos diante de um outro Lula, que é um Lula real, despido de quase toda narrativa mítica e apaixonada do passado, mas mesmo assim, parece que as coisas não estão muito claras sobre quem esse Lula real é de fato do ponto de vista ético e político. Ou seja, parece que as coisas ainda não estão muito bem esclarecidas para muitas e muitas pessoas, ou seja, não está cem por cento claro a meu ver, se o Luiz Inácio Lula da Silva foi completamente abduzido da sua pátria mítica onde ele foi o herói das nossas utopias e sonhos de uma noite de verão ou se ele é simplesmente mais um político corrupto da História, exatamente igual a toda a corrupção política que o antecedeu no Brasil, ou até pior.
Porém eu gostaria de fazer um breve alerta, que me parece muito oportuno nestes dias conturbados que se chamam hoje. O alerta é o seguinte: se alguém falhou na honestidade para com os nossos verdadeiros sonhos de uma pátria mais justa e fraterna, como o Lula mesmo costumava dizer que era o seu sonho, não fomos nós os trabalhadores que assim procedemos. Pois se em algum dia o Lula disse falsamente a frase "a luta continua companheiros," eu diria quase o mesmo com uma pequena e singela adaptação, o sonho continua companheiro! pois nós precisamos entender definitivamente que os valores que embalaram e embalam os nossos melhores sonhos de igualdade social são muito maiores que o Lula real e antecedem inclusive a construção histórica do Lula mítico, mas que por uma série de contingências históricas nós os emprestamos a um homem de fato brilhante, que tem um gênio político bastante superior à média dos simples mortais chamado Luiz Inácio Lula da Silva. Mas nós precisamos ter a grandeza de reconhecer que o nosso herói está sob a suspeição da justiça ainda. E hoje esse é sim o Lula real dos nossos pesadelos de uma noite de inverno. Ou seja, o Luiz Inácio Lula da Silva está hoje despido em parte ou completamente da aura do Lula mítico de outrora, mas precisa ser julgado com justiça e precisão, o que definitivamente não foi o que a Operação Lava Jato fez, e por razões que me parecem as mais óbvias possíveis, pois dentre muitas razões que já foram explicadas várias vezes e expostas claramente através do site Intercept Brasil e parcerias, Sérgio Moro interferia nas investigações do Ministério Público e até ajudava a promotoria a obter testemunhas, o que segundo as informações que eu tenho, é ilegal. Com isso, Sérgio Moro encarnou parte considerável da narrativa mítica em torno da moralidade, que se tornou um espaço vazia desde que os esquemas de Mensalão começaram a ser denunciados no PT e seus aliados. O resultado disso foi a eleição do presidente Bolsonaro, que não só se aproveitou das espectativas míticas que outrora foram representada pelo PT, como ele foi e aínda é chamado até hoje de mito pelos seus militantes mais fanáticos.
Mas nós que sonhamos um dia com uma pátria mais justa e fraterna, e canalizamos tudo isso no discurso de um sindicalismo que nos arrebatou por um bom tempo, não podemos simplesmente achar que essas idéias morreram por culpa do Lula, tendo ele nos traído realmente ou não, pois há grupos de ressentimentos por toda parte. Esses grupos não estão em nada indignados com a suposta corrupção praticada por todo o esquema fraudulento que ocorreu no Mensalão e na Petrobrás por exemplo, e sim eles estão se aproveitando desse momento de crise das esquerdss para se vingar de qualquer tema que leve em consideração as ideias de igualdade, ss ideias de justiça e as ideias de inclusão social como agenda política. E acima de tudo neste momento, o senhor ministro da economia Paulo Guedes, é o principal instrumento das elites econômicas e financistas para surrupiar definitivamente quase toda a "mais valia social" que nós passamos ainda ter.
Está na hora penso eu, de recuperarmos definitivamente parte das nossas utopias como meta, que um dia nós canalizamos no Lula mítico, e que a gente entenda melhor quem é esse Lula real que hoje está sob a suspeição da justiça. Até porque as lutas da classe trabalhadora no Brasil, querendo nós ou não, passa pela história do Lula. E se a gente, que é classe trabalhadora, perder as nossas referências históricas, nós nos tornaremos presas muito fáceis nas mãos da especulação econômica, que quer a qualquer custo, se apropriar na nossa "mais valia social." Porém eu entendo que muitos podem estar ainda insistindo demasiadamente na associação dos seus melhores sonhos de verão no Lula mítico de uma época que não volta mais, pois sendo criminoso ou não, e até voltando ou não a ser presidente da república um dia, o que eu duvido muito, esse Lula que nós considerávamos mítico já se corrompeu e não volta mais. Esse é o Lula real. Mas repito, ele faz parte de maneira incontestável da história de lutas da classe trabalhadora no país. Mas para que nós não venhamos a cair em panfletagem barata, precisamos pesquisar melhor ainda a natureza do que o Lula ainda representa como luta atual para a classe dos trabalhadores. E a própria natureza da corrupção que ele possa ter participado também precisa ser melhor apurada, para não atropelamos a realidade com uma crítica injusta, ressentida e atabalhoada. E se existe alguma pessoa tão alienada a ponto de achar que não existe mais luta de classes no mundo, saiba que existe sim. O problema é que hoje, sobretudo no Brasil, só os mais ricos estão lutando essa batalha, com o objetivo de retirar casa vez mais o Estado de bem estar social do dia a dia da população. A luta de classes continua, mas só dos ricos contra os pobres.
Acredito sim que um indivíduo que viveu nas melhores fases do Lula mítico não precisa fazer uma ruptura histórica definitiva e radical com esse mito, que embalou os nossos sonhos de uma noite de verão durante um bom tempo. Até porque o mesmo é um símbolo importantíssimo para todos nós que caminhamos no dia a dia das estrelas sem tirar os pés do chão, mas o Lula real me parece ainda uma incógnita, que a Operação Lava Jato sempre fez questão de jamais nos revelá_lo da maneira como ele realmente é.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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