CRÔNICA E FILOSOFIA: INFILTRAÇÃO AUTORITÁRIA

Um professor foi simplesmente decapitado no subúrbio de Paris por ter exposto uma caricatura do profeta Maomé, uma vez que o mestre estava em defesa da liberdade de expressão durante a aula. Guardadas as devidas proporções, isso me lembrou um evento que ocorreu comigo em 2018, onde um estudante me fez a seguinte pergunta, "professor, o senhor é esquerdista?" Isso aconteceu em plena ascensão da candidatura Bolsonaro e a sua aparente intolerância à diferença políticas. Tal pergunta me causou uma certa surpresa, e por que não dizer, uma determinada persplexidade. Não que a interrogação tenha sido estranha em si mesma, mas eu percebo que o que está havendo na infraestrutura do mundo de agora, e especialmente no Brasil, é uma topologia psíquica de ocupação de espaços por intermédio do autoritarismo como comportamento cada vez mais normal. E eu compreendo que foi também por isso que  o aluno me fez a pergunta se eu sou ou não sou um esquerdista, pois entendo que ele foi politicamente infiltrado por essa nova geração do autoritarismo político.

Porém não podemos confundir o autoritarismo do mundo de hoje com as ditaduras do século XX, que tinham como principais referências o Totalitarismo na gestão do Estado, pois autoritarismo em si não é ditadura, e sim traço de personalidades individual, política ou social. Por exemplo, Eurico Miranda era autoritário, mas o Vasco jamais foi uma ditadura durante a sua gestão. Dilma Rousseff era uma pessoa autoritária no trato, mas nunca teve sequer vocação pra qualquer comportamento ditador. E governos de hoje como os da China, os de Cuba, o da Rússia, o de Nicolás Maduro, o de Daniel Ortega e etc, são gestões públicas construídas a base do autoritarismo, mas que não são ditaduras propriamente ditas. Porém são formas de infiltrações autoritárias.

Na época da campanha supracitada, andou circulando um panfleto digital que dizia que em uma escola não se fala de diversas coisas, dentre as quais não se fala de sexo, não se fala de esquerdismo, não se fala de Islamismo e etc, em um clarissimo exemplo de infiltração autoritária, pois a Escola é a Instituição que trata de maneira formal da iniciação de praticamente todos os temas e assuntos que existem no mundo. Neste contesto, um cidadão que eu conheci através das redes sociais, mandou para o meu privado uma defesa da chamada Escola sem Partido, afirmando que um professor não tem o direito de emitir a sua opinião política. Mas como eu já desconfiava, ficou claro que o mesmo só se referia aos professores que têm as suas preferências políticas mais à esquerda. Quando eu tentei explicá_lo as razões pelas quais ele poderia estar equivocado, o mesmo imediatamente soltou os mais novos palavrões e xingamentos do século XXl, seu esquerdista! seu petista! sei comunistas! e daí por diante. Sendo assim, eu solicitei ao nobre direitista raivoso que o mesmo me apresentasse algum artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da constituição brasileira ou de qualquer das democracias mais avançadas do mundo, algum artigo que verse sobre a ilegalidade na livre opinião de um docente, sobretudo se ele for de esquerda. Resultado, estou esperando a resposta desde 2018. Mas por que essa pessoa defendeu com tanta ênfase coisas sem nenhum fundamento dentro de um estado democrático de direito? porque com certeza, ele também foi politicamente infiltrado por esse autoritarismo de nova geração.

A infiltração política é um pouco diferente do que acontecia no passado, principalmente no fenômeno da Guerra Fria, que redundou nos grandes sucessos do cinema de espionagem, pois nesse período, os posicionamentos políticos costumavam ser bem mais claros, e os James Bonds da vida praticavam o seu ofício de agentes 007 com a clareza de que estavam a serviço de uma ideologia centrada dentro de uma geopolítica específica, com fronteiras e endereços muito bem definido. Mas se tivemos as grandes produções que alavancaram o sucesso do cinema de espionagem onde os heróis lutavam contra muitas ditaduras, talvez falte hoje um James Bond para representar o heroísmo de um ator de  cinema que lute contra a geopolítica da infiltração autoritária.

Alguns líderes políticos do mundo de hoje têm apostado na infiltração política para dar sentido a algumas ações, que a princípio parecem libertárias, mas com o tempo eles se mostram gradativamente duvidosos em relação as suas pretensões. Hugo Chávez a princípio se utilizou de uma aura de liberdade bolivariana, que parecia ser minimamente razoável. Razão pela qual o chavismo foi se fortalecendo através de infiltrações políticas que desencadearam nas ações autoritárias dos dias de hoje com Nicolás Maduro. Um outro exemplo é o que ocorre na Guatemala, onde Daniel Ortega foi eleito democraticamente, mas tem se mostrado aparentemente autoritário, não por ser um daqueles ditadores tradicionais a exemplo de um Stálin, de um Hitler, de um Salazar, de um Franco, de um Médici e etc, pois as suas estratégias autoritárias foram as infiltrações através de brechas democráticos, mas não são as ditaduras totalitarios que inspiraram o autoritarismo do século XX. Um outro exemplo de infiltração política está ocorrendo aparentemente na Turquia, pois o presidente Tayyp Erdogan se utilizou da própria democracia para angariar mais poderes políticos aparentemente bem mais autoritários. Também Vladimir Putin, que não é nenhum democrata clássico a luz das nossas tradições ocidentais, aparentemente se utiliza de infiltrações autoritárias, que segundo fontes de informação idôneas como a dos serviços secretos americanos e do FBI, interferiu sim no resultado das eleições americanas, que elegeram Donald Trump para a presidência dos EUA. E o próprio Trump se utilizou muito da democracia mais sólida do planeta para enamorar_se com  as políticas de infiltração protagonizadas por alguns atores políticos que nunca morrerão de amores pelas tradições democráticas mais libertárias, como é o caso do presidente Bolsonaro, que aliás, ama o Trumph, mesmo sem ser correspondido a altura.

A infiltração política é possível hoje, principalmente por causa das mudanças históricas  nas nossas matrizes de informação tradicionais, que migram rápida e gradativamente dos jornais, das rádios, das TVs e do cinema para as mídias sociais. Isso torna cada vez menos sustentável uma ditadura totalitária a exemplo do pós guerra, razão pela qual o autoritarismo político dos nossos dias conta com a massificação de ideias para infiltrar_se por meios não analógicos em uma cultura de pós verdades históricas, onde as convicções pessoais dos indivíduos são percebidas com muito mais facilidade que construções teóricas sobre democracia e sobre a ética política, pois é nesse portal da consciência que a infiltração política tem apostado, nas convicções pessoais, em detrimento de qualquer percepção analógica e formal sobre o que seja essência e aparência, real e irreal.

No Brasil hoje, estamos vivenciando vários assédios de infiltração autoritária, pois a luz da visibilidade do debate público, ninguém vai dizer que você está impedido de ser de esquerda ou de direita, mas quando um aluno pergunta a um professor, o senhor é esquerdista? quando a gente percebe a animosidade entre muitos deles contra quem é contrário ao seu pensamento, mesmo sem uma formação adequada sobre o que representam as ideologias políticas e etc, é porque as pessoas estão sendo gradativamente infiltradas com a falsa ideia de que ser de esquerda ou ser até de uma religião diferente, é uma espécie de crime político hediondo ou uma aberração moral diante de tudo o que há de bom na face da terra. Muitos agem como se ser de esquerda, ser muçulmano ou meramente se expressar livremente é coisa de um cidadão de segunda categoria. E isso tudo está sendo produzido por infiltração política nos bastidores do debate público

Portanto precisamos estar atentos, pois muita gente é amedrontada, desesperançada e em busca de soluções rápidas para os seus problemas e demandas, as vezes pessoal, o que as torna mais vulneráveis, e consequentemente com os ressentimentos muito mais aflorados. E por isso essas pessoas ficam a espera de um líder que seja aquela espécie de santo milagreiro, autoritário ou não. É também nesses espeços que a infiltração autoritária atua. Mas líderes que não sejam democratas convictos hoje, geralmente não vão se pronunciar tão explicitamente como um ditador tradicional a respeito das suas preferências pelo autoritarismo, mas eles se utilizarão sempre das mais sutis infiltrações políticas para produzir tipos símbolos políticos menos tolerantes. É neste contexto que pessoas são incentivadas a dizer que ser de esquerda é ser um criminoso. É neste contesto que cidadãos são incentivadas a não mais respeitar reservas indígenas, de maneiras indiretas. É neste contexto que indivíduos são incentivadas a praticar violência contra opositores através de excessos de lacração política intimidatória. É é neste contesto que um professor foi assassinato por razões políticas na França. Pois as razões da intolerância hoje não são mais as ditaduras clássicas como no século passado, mas elas ocorrem tacitamente por meio de infiltrações autoritárias. E essa forma de infiltração até se assemelham às vezes a uma ditadura, mas apesar do seu autoritarismo ela é uma falsa ditadura para o século XXl.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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