CRÔNICA E FILOSOFIA:. O BOLSONARISMO E A VERDADE
É preciso muita cautela e o mínimo de percepção reflexiva para dizer em que lugar uma ação política pode ou não estar ligada às categorias da verdade. Pois desde Maquiavel, que para miríades de especialistas é o pai das Ciências Políticas, não há nenhuma relação objetiva entre a principado e a verdade em si mesma. Com isso surge uma pergunta: se política e verdade não tem nenhuma correlação factual entre elas, neste caso, um político seria quase sempre o principal de todos os sinônimos de um mentiroso?
Na vida pública podemos encontrar personalidades como um Ciro Gomes, que apresenta quase sempre um caráter bastante raro na hora de se pronunciar publicamente, pois Ciro também leva para a sua maneira de fazer política a virtude de muitos dos nossos pais quando eles nos ensinavam a não mentir e a não passar os outros para trás para se dar bem na vida. Mas em política também podemos encontrar indivíduos como um Paulo Maluf, que sempre foi aquele típico mentiroso, daqueles que quando estava no debate público, a impressão que a gente têm é que o pai dele disse exatamente o contrário para o mesmo desta maneira: filho, quando você estiver no debates público, minta o máximo que você puder tá? Mas na vida pública podemos encontrar também, personagens que não estão necessariamente relacionados eticamente nem com a verdade, e muito menos com a mentira, mas que simplesmente usam o discurso para dar a aparência necessária para que a sua fala cumpra um determinado papel dentro do cenário político que o acolheu, como é o caso de um Barack Obama por exemplo. Porém na configuração da política dos dias de agora, temos visto aparecer personagens que eu chamo carinhosamente de geração neomalufista de políticos, pois eles são verdadeiros mentirosos contumazes, como é o caso de um Donald Trumph e de um Jair Bolsonaro, que diferentemente de um Paulo Maluf, que mentia para aumentar os espaços da sua atuação corrupta no poder, parece que Trumph e Bolsonaro falam mentiras como se mentir fosse uma espécie de prática esportiva no uso das palavras torpes. E no caso do Brasil especificamente, uma outra impressão que a gente tem, é que o quanto mais mentiras o sujeito fala, como era o caso do ex ministro da educação Abraam Waintraub, o quanto mais mentiras o indivíduo diz como é o caso do atual ministro do meio ambiente Ricardo Salles e o quanto mais dissimulado o cidadão for como é o caso da atual ministra Damares dos Direitos Humanos, melhor, pois eles são uma espécie de auter ego vivo do atual presidente da república, que praticamente não passa um dia sequer sem contar uma boa lorota. Salvo quando passa o dia inteiro com todos os seus lábios unidos e com a língua parada. Por isso é que eles sempre foram tão amados, não apenas pelo presidente Bolsonaro, mas também por toda a sua militância hormonal. Mas é importante a gente refletir sobre os dias da atualidade, sobretudo sobre o seu aparato tecnológico, pois são nas relações que esse mundo tem para com as categorias da verdade que essa gente mentirosa e dissimulada atua politicamente.
Os dias de hoje, diferentemente dos espaços públicos do passado, estão em plena era digital de vida em rede. Nestes tempos, nós fomos afetados por uma condição muito peculiar na nossa personalidade de pessoas que vivem nessa "sociedade liquida" de agora, pois simplesmente, a crescente inclusão digital tem substituido as funções do verbo esquecer pelo que eu chamo carinhosamente de a disfunção do verbo deletar. E ao deletar compulsivamente as coisas que chegam à nossa consciência, nós simplesmente nos esquecemos de esquecer das fenômenos que se mostram a nós como saber.
Desde o Classissimo, nós temos pensado sobre isso, ou seja, Platão, que foi influenciado diretamente pelo essencialismo de Sócrates, resignificou um mito grego que dizia que quando a alma se desloca do "mundo das ideias perfeitas" para a terra, ela se esquece das suas essência reais após se banhar no Rio Letes, que é o rio do esquecimento. Desta maneira para Platão, o conhecimento é a lembrança do que nós somos antes de servos olvidados pelo corpo humanos. Semelhantemente ao criar a Psicanálise, Freud fez algo análogo, pois para o terapeuta, para que as pessoas tenham um saber mais claro a respeito do seu próprio comportamento, elas precisam buscar os objetos do auto saber que se encontram lá nas câmaras mais internas do inconsciente.
Quem nunca teve a impressão de que quando aprende alguma coisa por gosto ou por vocação, esse objeto aparece como se fosse um saber que estava esquecido nas câmaras internas da consciência? E quem nunca teve a impressão de que ao se identificar com uma grande amizade ou com um grande amor, o objeto do seu afeto apareceu como se nesses laços as pessoas envolvidas já se conhecessem desde quase sempre? Porém quando nós substituímos o verbo esquecer pelo verbo deletar na nossa atual vida em rede, passamos a simplesmente eliminar elementos do nosso saber. E desta maneira, esses esquecimentos na nossa condição humana de vida em rede tem colaborado casa vez menos com a construção de saberes menos duradouros. E por essas razões, eu penso que essa realidade também é um dos fundamentos da dificuldade que os nossos alunos têm de assimilar informações formais por um espaço de tempo mais longo. E isso é importante por que? Eu penso que isso seja muito importante exatamente porque é dentro desta realidade, onde as pessoas deletam informações e se esquecem de esquecer das coisas, que o governo Bolsonaro entra e se beneficia desses espaços de amnésia cognitiva em que os indivíduos de hoje vivem. Razão pela qual é muito comum nesse presidente, nos seus ministros e até mesmo na sua militância, o hábito de falar as coisas para logo logo afirmar que não disse o que ficou inclusive gravado. Pois eles confiam plenamente na capacidade dos seus apoiadores deletarem palavras que são ditas claramente, mas que derrepente, supostamente desaparecem da História como se fossem um passe de mágica.
As nossas relações clássicas com a verdade encontram algumas referências filológicas, que nós podemos extrair do hebraico, do grego e do latim. As palavras emunah e emeth, que aparecem no texto bíblico e hebraico, segundo especialistas, estão sempre relacionadas a uma promessa. Ou seja, em uma relação autêntica e verdadeira entre pessoas judias do passado bíblico, tinha que haver uma aliança ritualística e uma palavra empenhada prometendo o seu devido cumprimento para que uma relação fosse de fato verdadeira. Razão pela qual a tradição judaicocristã está constantemente esperando as promessas de um "Deus da aliança" ou o retorno de um Messias que voltará para resgatar o "povo de Deus." Já no grego verdade é aletéia. Aletéia é o desvelamento do ser à consciência dos indivíduos. Por exemplo, havia um mito, que foi reproduzido por Platão, que falava que quando a alma vem para o mundo, ela se banha em um tal de Rio Letes, que é o "rio do esquecimento." Porém com o tempo, a consciência nos leva a um reencontro entre a alma e as verdades esquecidas no mundo ideal onde nós estávamos antes de virmos para o mundo das coisas sensíveis. É também com essa base e com esse conceito de verdade como manifestações do ser à consciência que o Mitologia e a Filosofia se desenvolveram na relação direta entre as coisas e a consciência. E no latim verdade é veritas. Essa palavra significa a verdade como o talento de um discurso que é capaz de convencer através da sua desenvoltura ao falar. Não é atoa que os romanos, que são de tradições diretamente latina, desenvolveram tanto a arte da oratória entre os grandes vultos da República e e criou as próprias bases do direito que nós temos.
Os três exemplos de verdade acima dão sentido à maneira como nós a percebemos, pois ela jamais deixa de ser um fenômeno genealógicamente histórico, onde em cada tempo os seres humanos dão sentido ao que eles pensam ser o verdadeiro. Mas foi através de uma pergunta revolucionária que os gregos deram um grande salto o qual nos influência até os dias de hoje. Segundo Heidegger no início do seu livro Conferências e Escritos Filosóficos, quando o "homem historial grego" queria perguntar por alguma coisa ele costumava indagar assim: tí estín. Tí estín significa o que é isso ou o que é isto em si mesmo? E ao fazer a pergunta pelas coisas em si, os gregos se diferiram de praticamente todas as culturas nativas, que ao perguntar pela realidade, procuravam sempre à tradição para obter as respostas. Por exemplo, se um judeu perguntasse à alguém sobre quem é Deus, a resposta já estava culturalmente dada, pois eles diriam, pergunte as Escrituras, pergunte aos profetas, pergunte a a Abraão, Isaque e Jacó. Pois as tradições nativas que não são gregas quase sempre aprendiam em direção ao passado. Por isso os mitos como narrativa do que passou tinham tanta influência entre os povos. Mas ao inaugurada a tradição do tí estín, a Grécia cria não apenas a possibilidade científica do conhecimento das coisas em si mesmas, mas também ela ofereceu uma chave para os mitos do futuro, que são as principais utopias e distopias da modernidade, da pós modernidade e de tudo o que nós entendemos como "sociedade liquida."
Como fazemos parte das tradições históricas do tí estín, nós levamos a pergunta "o que é isso ou o que é isto em si mesmo?" para todas as nossas relações com o conhecimento. Através da Filosofia nós passamos a fazer a pergunta, o que é o ser em si mesmo? Por intermédio da Teologia nós passamos a indagar, o que é o sagrado em si mesmo? Através das Ciências Naturais nós perguntamos, o que é natureza em si mesmo? Através das Ciências Humanas nós fazemos a pergunta, o que são as instituições sociais em si mesmas? E através da política, desde Maquiavel, nós perguntamos, o que é a política em si mesma? E em cada uma dessas interrogações sobre o que é cada entidade da realidade em si mesma nós consagramos todas as relações da racionalidade com o conhecimento científico, o qual é apropriado pelo Estado para gerar o mínimo de eficiência possível, guardadas cada uma das devidas proporções evidentemente.
Porém há um problema na sociedade da era digital e de vida em rede. Tal problema se encontra exatamente na maneira como a tradição do tí estín se perde em vários universos de afirmações e de pós verdades, pois se o que os indivíduos dizem não se encontra mais no desafio de fazer a pergunta pelas coisa em si mesmas, é porque o tí estín se tornou neste caso, não somente o objeto do solipsismo de cada individualidade, mas também um evento que pode aparecer quando eu digo que ele é, mas que também poderá desaparecer se eu falo que ele não é mais o que era quando eu o afirmei como sendo e o deleto. É neste contesto que Donald Trumph mente compulsivamente como se as provas contrárias mais evidentes não fossem devidamente confiáveis. E é também neste contesto que Jair Bolsonaro pratica o único esporte que me leva a crer que ele foi de fato atleta um dia, o esporte da mentira como uma verdadeira atividade física. Pois ambos quando falam mentiras em meio a uma sociedade de vida em rede, que é capaz de deletar informações, eles fazem isso com a plena certeza que o que eles disseram no passado de forma mentirosa desaparecerá com o apertar da tecla delet, como se falar e desfalar fosse simplesmente um jogo de meras palavras, que podem aparecer em um instante, e sumir no momento seguinte como se fosse meramente um passe de mágica. Neste caso definitivamente, se ser um político não é necessariamente um sinônimo de mero mentiroso, com o perdão da hipérbole, mas ser um político mentiroso é uma espécie de sinônimo de Donald Trumph e de Jair Bolsonaro.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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