CRÔNICA E FILOSOFIA: ELEIÇÕES E DESEJO

Definitivamente, não há como separar uma eleição de todos os "fluxos desejantes" que perfazem uma das principais características de todas as fases pós industriais que nós vivemos, que é se utilizar dos desejos como o principal ativo humano no desenvolvimento da produção. À maneira clássica, a Psicanálise ao ser inventada por Freud, fez uma relação direita entre o ato de desejar e a falta, que só poderia ser preenchida com a aquisição dos objetos desejados. Mas como nós podemos continuar a pensar como a Psicanálise freudiana, sobretudo agora nas eleições americanas, se nós percebemos que grupos sociais latinos votaram majoritariamente em Donald Trumph, principalmente na Flórida casteliana, apesar desse político ter sido sempre hostil à presença legal ou ilegal do imigrante no país? Afinal de contas, se um dos objetos do desejo dos estrangeiros em um país que não é o seu é o respeito e o acolhimento da sua presença em terras distantes, então por que pessoas costumam as vezes apoiar atores políticos que demonstram exatamente uma hostilidade ao seu próprio objeto gerador de fluxos desejantes, que neste caso é o reconhecimento de direitos a imigrante em terras estranhas? Será que o desejo deve mesmo ser apenas apontado como falta existencial?

Para desenvolver esse pensamento, eu gostaria de convidar mais três personagens da história das reflexões sobre o desejo para esse nosso pequeno diálogo, Lacan, Deleuze e Guatari, pois nesses três pensadores, o desejo não tem relações diretas com a falta. No primeiro, o que nós desejamos não está e não pertence a cada indivíduo de per si, pois para Lacan, o que nós desejamos é o outro. Ou seja, são os desejos que fazem parte do bem querer de outrens que nós também queremos. Neste caso, por que uma belíssima Ferrari vermelha também faz parte dos fluxos desejantes de milhões de seres humanos? Com certeza, é porque esse automóvel também se constitui em fluxos de desejo de miríade de outros cidadãos que também almejam ostentar a lugares privilegiado na pirâmide social através da posse desse belíssimo bem durável. Pois com mais certeza ainda, se possuir esse automóvel fosse o símbolo de uma espécie de idiota da comédia da vida privada, certemente que ter uma Ferrari não teria tanto apelo assim nas mais altaneiras representações do nosso bem querer como desejo. Tendo em vista essas afirmação, a pergunta é a seguinte, qual é o papel do outro das  representações latinas nos desejos que habitam os Estados Unidos da América? pois eu penso que uma afirmação reflexiva se faz necessário. Nem sempre o lugar onde uma pessoa ocupa na sociedade onde ela vive, faz parte do desejo predominantemente nos outros. Razão através da qual as vezes, o indivíduo que não pertence a um grupo que seja objeto de desejo onde ele e muitos outros gostaríamos estar, escolhe candidatos que pertençam a outros grupos, e com isso não apóiam o seu próprio lugar no mundo e os seus aparentes representantes. Mas sim, ele acaba votando em  cidadãos que nas suas representações sociais são o ideal do mundo que ele tem como objeto do seu desejo e de muitos outros. Eu chamo isso carinhosamente de narcisismo do sequestro classista, que ocorre quando um indivíduo captura o bem viver do outro como plataforma política e a emprega a sua própria condição de miserabilidade.

Se por um lado para Freud o desejo é proveniente da falta, e se por outro lado para Lacan o mesmo pertence à presença do outro, para Deleuze e Guatari os fluxos desejantes têm uma habitação específica dentro da sociedade capitalista. E esse lugar habitado pelos desejos nessa sociedade é o excesso. Ou seja, a condição humana pós industrial nos faz habitar a natureza de todos os fenômenos excessivos nos fluxos do desejo. Neste caso, entre nós que somos as pessoas de hoje, o excesso precede a falta segundo esses dois filósofos. E mais uma vez eu proponho uma pergunta dentro dessas afirmações. A pergunta é a seguinte, se os latinos pertencem a um grande grupo muitíssimo fragmentado na diversificada cultural americana de agora, qual seria o papel da latinidade  dentro da categoria de todos os excessos na terra do Tio Sam? De fato, quando nós olhamos para o perfil de um homem como Donald Trumph, que é um branco de olhos azuis com todos os privilégios históricos deste perfil, que tem todo um histórico no mundo das celebridades e que tem toda uma capacidade de fazer as suas muitas ostentações por causa de tudo isso, é porque com a mais absoluta certeza, dentro das hierarquias excessivas, ele além de ocupar lugar de muito destaque, aínda faz inclusive aquele tipo cafajeste do legítimo predador aparentemente inatingível, que mora bem lá na ponta da pirâmide social da hiper competitiva da sociedade dos Estados Unidos. Desta maneira, na hora de escolher um candidato, penso que muitos latinos, mesmo atacados desde sempre pelo Trumph, se vejam idealizados em personalidades como a dele, mesmo com toda a sua prepotência, pois na hierarquia dos excessos do sonho americano o imigrante latino fica em muitas desvantagens. Razão pela qual, na hora de comparar o seu grupo social e o grupo social dos Donalds Trumphs da vida, com todos os seus excessos, os desejos de muitos latinos se voltam idealmente para os lugares onde o que é excessivo se apresentam em maior abundância. E como Donald Trumph mora nesse lugar de excesso quase absoluto, alguns muitos extrangeiros votam nele também por isso, porque Trumph representa melhor em muitas e muitas coisas, o desejo como distopia escessiva almejada, onde mais uma vez o narcisismo do sequestro classista as vezes finge ser o outro como mecanismo de defesa da sua própria invisibilidade histórica.

Esse desejo aparentemente ambíguo diante do seu lugar no mundo também vem ocorrendo no Brasil, principalmente a partir da campanha de 2018, pois nela, mesmo apesar de muitas posturas de aparente racismo na vida pública, e mesmo sendo contrário a toda e qualquer política afirmativa de inclusão de negros e pardos em universidades e cargos antes quase inacessível aos brasileiros de pele mais escura, muitos negros e pardos se voltam contra as políticas afirmativas e apoiam Bolsonaro incondicionalmente. Igualmente muitas mulheres, apesar de Bolsonaro sempre se mostrar radicalmente contra o avanço dos direitos de gênero, se posicionam como verdadeiros machistas de batom, vestido, mini saia e fio dental. E pasmem, eu já vi e já ouvi o apoio até de travestis a Bolsonaro, mesmo ele tendo dito dentre muitas outras barbaridades, com todas as as letras, a seguinte frase, "eu sou homofóbico sim graças a Deus." Neste caso, o que isso significaria aqui no Brasil mais especificamente? Sem embargo, é uma das versões do narcisismo do sequestro classista agora com as cores verde e amarela.

Os exemplos do parágrafo acima me levam a crer que, agora como um fenômeno nacional, nós estamos mais uma vez perante a subversão do desejo como falta da tradição freudiana, a exemplo dos exemplos americanos supracitados, pois se alguns grupos e categorias são socialmente carentes de respeito, visibilidade e inclusão, em condições normais penso eu, se lhes faltam todas essas considerações, eles deveriam ser os primeiros interessados nesse reconhecimento, o qual seria em tese o objeto do desejo dos mesmos pela igualdade. Porém como a realidade não é essa, precisamos a exemplo do que fizemos para com os Estados Unidos, encontrar nos nossos últimos fenômenos políticos, que também elegeram Jair Bolsonaro, quais seriam os outros e os excessos das nossas representações sociais, que fazem até que também muitos brasileiros desistam do seu próprio bem estar e do bem estar dos que são próximos a eles, para apostar em agendas políticas, que além de não os beneficiar em quase nada, ainda são contrárias aos avanços dos direitos desses indivíduos que vivem na condição de minorias em uma sociedade.

Por mais que nós não tenhamos um capitalismo histórico com a mesma pujança do capitalismo americano, os nossos valores no capital também possuem os seus outros que objetivam a projeção dos nossos desejos neles e também nós temos os nossos excessos como fluxos desejantes.

O sociólogo Jessé Souza tem um belíssimo trabalho sobre o que ele chama de "a elite do atraso", onde uma mentalidade que se mantém com muitos vícios desde esses dias, procura sempre formas de desenvolvimento econômico, sociais e políticos que são estratégias mantenedoras da paisagem e da arquitetura social muito semelhantes a dos dias da escravidão. Desta maneira, o outro das nossas representações sociais, que inspira os nossos desejos, são projetados também na figura aristocrática dos principais, dos pequenos e dos médios senhores de escravo. E o fato de nós sermos os últimos habitantes do planeta a realizar a abolição da escravatura, diz muitíssimo a respeito das relações de poder que existem aqui no Brasil. Com certeza, essa é uma das principais razões pela qual o Neoliberalismo com as suas contradições tem se fixado com tanta desenvoltura por aqui. Pois uma economia neoliberal entregue a sua própria sorte tem a características de fragmentar demasiadamente as nossas relações de sociabilidade. Com a individualidade levada até às últimas consequências quase sempre e com o modelo de sucesso projetado em várias espécies de super homens e super mulheres  executivas e investidoras, cada vez mais os nossos desejos foram se concentrando ainda mais em pequeníssima grupos de bem aventurados, que hoje são principalmente os banqueiros, que fazem simplesmente o que quer e o que não quer nesse país. Mas sem ser fustigados em quase nada, pois eles, os grandes banqueiros e especuladores que investem aqui, são agora as atuais referências históricos de uma "elite do atraso" onde infelizmente os nossos fluxos desejantes estão projetados como narcisismo do sequestro classista.

E quanto aos nossos excessos, por mais que nós não tenhamos a figura do herói americano como representação social dos nossos desejos, nós temos a presença histórica dos donatários das capitanias hereditárias, e acima de tudo, nós temos a presença histórica dos pequenos, médios e grandes senhores de escravo no nosso imaginário, com todas as suas formas de reprodução no tempo, como por exemplo, as aristocracia locais que se formaram principalmente desde o fim da escravidão até o fim da primeira república, o abandono do negro em detrimento da chegada dos europeus no país, o elitismo na transmissão do conhecimento, que redunda no nosso pouco caso histórico para com a igualdade na distribuição da cultura formal, e dentre muitas outras coisas, esse absurdo privilégio para com o lucro dos banqueiros e investidores, independentemente do estado de muitos bolsões de miséria do país, principalmente agora na pandemia, onde trilhões foram depositados nos bancos para que eles sejam remunerados diariamente, porém os mesmos não os emprestaram à sociedade para que a economia pudesse ser aquecida durante esse período. Com isso eu concluo que a nossa elite não é apenas uma elite atrasada, mas também ela é uma elite do excesso, pois é no excesso de privilégios a pouquíssimas pessoas que os nossos desejos se deixam representar como formas de narcisismo do sequestro classista. E é também por causa disso que hoje o Paulo Guedes, um investidor muito bem sucedido do mercado financeiro, mas completamente incompetente para a vida pública, teima em não ser demitido da liderança do Ministério da Economia, pois simplesmente ele é o principal representante dessa casta financista, ou melhor, excessiva de privilegiados que se utilizaram do governo FHC para reaparecer, que continuaram no governo Lula para se consolidar e permanecerem no governo Bolsonaro para se perpetuar.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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