CRÔNICA E FILOSOFIA: lógica embriagada

Fica as vezes muito difícil para os mais desavisados ver algum acerto em qualquer comportamento, não só do presidente Bolsonaro e seus filhos, mas também nas atitudes do Bolsonarismo como um todo. Sobretudo agora, onde a presença da Pandemia da Covid 19 e o aparente isolamento político do Brasil no mundo têm conduzido esse presidente às maiores e absurdas insanidades, nas quais o mesmo chegou ao ponto de chamar quem é acometido fatalmente pela Covid de "bundão", as quais o levou a dizer que quem não enfrenta essa doença de peito aberto e a realidade da sua morte iminente  é um "maricas" e nas quais o nosso digníssimo presidente da república, em um gesto de pura megalomania irresponsável, chegou até a insinuar uma declaração de guerra aos Estados Unidos da América. Mas será que diante de tanta estupidez política há espaços para alguma forma de sanidade cognitiva nesse cidadão presidente e seu discipulado? sobretudo nos mais fanáticos?

Muitas das vezes, quando uma avaliação é assertiva, mas mesmo assim ela é feita por um indivíduo flagrantemente insensato na maioria esmagadora das oportunidades de permanecer calado, nós temos o hábito de sequer ouvi_lo um pouquinho melhor, dada a sua completa insensatez. Mas nós não podemos negar que em muitas oportunidades, por mais tosco que um sujeito seja, é nos espaços históricos de erros estruturais, políticos e até indivíduaiais que o mesmo atua. Razão pela qual o nosso presidente não se encontra completamente fora de contesto quando ele diz por exemplo que "direitos humanos servem para defender bandido." Talvez o erro esteja na afirmação de os direitos humanos só servem pra isso. Até porque bandidos não deixam de ser cidadãos e também têm direito à defesa. Ou seja, evidentemente que se nós olharmos para todo o contesto histórico das agendas humanitárias desde a Revolução Francesa até os dias de hoje, somente um completo energúmeno político é capaz de fazer essas afirmações com tanta certeza assim. Mas não nos esqueçamos que Bolsonaro, com toda a sua tolice, incapacidade de gestão e falta de cultura política mínima para o cargo, é dotado de vários atributos instintivos de animal político sagaz e inconsequente. Mas se ele está na política a tanto tempo, e chegou à presidente da república, ele pode até ser um estúpido e obstinado inclusive por causa das suas ideologias natimortas, mas definitivamente, o mesmo teve as suas muitas iluminações quiméricas dos deuses da inteligência que habitavam à terra antes dos marcos civilizatório mais avançados. E pasmem, a agenda humanitária que há no mundo é um dos nossos principais calcanhares de Aquiles diante das ações políticas do presidente Bolsonaro. E se nós que somos de esquerda ficarmos sempre presos apenas ao mito do Bolsonaro burro, nós podemos ter algumas derrotas na luta por eventuais reconquistas da hegemonia contra ele. Não que o presidente não seja também um ser bastante burrinho às vezes, mas o jogo entre a burrice e a inteligência, da alternância entre a sensatez e a irresponsabilidade completa na agenda representativa e a formalidade ou a falácia na apresentação de propostas por parte de um político, principalmente nos dias de hoje, depende muitíssimo da informalidade disforme da percepção às vezes muito opaca das multidões que habitam a rede. E se há uma coisa que o Bozo sabe fazer, é promover espetáculos de pão e circo, e muitas das vezes de circo sem pão.

A agenda humanitária que nós temos, e que faz parte de várias agendas políticas desde à Revolução Francesa, primeiramente apareceu ao mundo como os "direitos do homem e do cidadão." Porém nessa primeira fase, as bases iluministas humanitárias, circunscrevia os direitos da cidadania à alguns pressupostos ideários do homem europeu, branco, burguês, proprietário e patriarcal. Porém, como dentro dessas bases ainda não havia uma ideia explícita de que em outras formas de etnia também pudesse haver humanidade, as fraturas mais imperceptíveis desse gargalo foram se tornando feridas cada vez mais expostas, ao passo que o Imperialismo eurocêntrico conquistava outras nações e ao passo que as políticas oficiais precisavam justificar ideologicamente as brutalidades contra os povos nativos sulamericanos, asiáticos, sulamericanos e etc. E como nós já sabemos, os resultados mais fatídicos dessa realidade humanitária de exclusão geopolítica e sem geopolítica extensiva foi o Nazifascismo e os campos de concentração durante a Segunda Guerra.

Dentro da realidade descrita acima, imaginem que alguém devidamente educado na forma europeia dos privilégios geopolítica do mundo, chegasse para um cidadão da Índia de Gandi, da África do Sul de Mandela e Biko, da Argélia, que fora durante muitos anos uma colônia da França e dissesse assim naquela época de sujeição, você sabia que existe uma coisa chamada direitos do homem e do cidadão? Caso tal ocorresse, com a mais absoluta certeza, mesmo se esse estrangeiro dominado culturalmente compreendesse formalmente essa forma de direito, ele não se sentiria devidamente incluído no mesmo. E hoje, será que os direitos humanos da fase pós 48 também não apresentam alguns muitos gargalos que os levam a determinados discréditos, a ponto dessas fraturas estruturais serem aproveitadas pelo oportunismo de um Donald Trumph e de um Jair Bolsonaro?

Como eu já falei em um vídeo e em um texto intitulado Revisão dos direitos humanos, os valores humanitários sempre tiveram os seus problemas internos, assim como todas as formas de idealizar e gestar as nossas atividades, pois uma das características que temos é a incompletude. E da mesma maneira como as declarações de direito do homem e do cidadão não foram suficientes para evitar a barbárie no mundo, também a própria constituição dos Estados Unidos, a qual está pronta, e com pouquissimas emendas, desde o século XVlll quando da sua fundação, também não foi suficiente como liderança ideológica e diplomáticas para evitar fenômenos como o Nazifascismo e toda forma de autoritarismo e racismo. Inclusive nos Estados Unidos até os dias de hoje. Neste caso, também hoje, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também tem muitos objetos obsoletos em relação ao seu lugar no mundo, pois a mesma, por ter sido criada em um momento onde a vida humana estava valendo quase nada, devido às condições degradantes que ela experimentou principalmente nos campos de concentração, quando o valor da vida e da dignidade das pessoas foi negociado no mercado dos conceitos de humanização disponíveis naquele momento, nós ficamos muito presos muito mais ao que é fundamental e essencial para a sobrevivência digna dos nossos corpos, salvo os nossos intervalos de inspiração para a alma. Mas mesmo assim, somos sempre supervisionados pela máquina capitalista e pela Indústria cultural, que são os principais atravessadores do que é humanitário do planeta. E no Capitalismo nós já sabemos do que se trata o mercado da igualdade. "Todos iguais, mas uns mais iguais que os outros." Isso faz com que muitas pessoas se desencantem com os ideias da filosofia humanitária. Sendo assim, da miséria à sobrevivência, os cidadãos médios acabam por ter uma impressão, também nem sempre verdadeira, de que os direitos humanos são um expediente político meramente formal, sem muita atuação na vida prática de cada um de per si. E é exatamente este distanciamento que faz com que governos de pessoas não muito simpáticas a direitos humanos como Donald Trumph e Jair Bolsonaro, sobrevivam ainda no interior das nossas democracias.

Por exemplo, todos nós presenciamos através dos noticiários como Trumph menosprezou as manifestações humanitárias denominadas "vidas negras importam" e como ele sempre tratou todo tipo de manifestação do gênero como caso de polícia, e não de direitos humanos. E no Brasil, desde sempre, vemos a extrema direita bolsonarista, sob as bençãos da família Bolsonaro, dizer que direitos humanos é coisa de comunista e que só serve para defender bandido. A primeira é simplesmente um caso de ignorância quase patológica. Mas eu gostaria de chamar a atenção para a segunda afirmação, que fala sobre a suposta bem aventurança de meliantes frente ao direitos humanos. Pois neste caso, por mais que eles estejam equivocados, como quase sempre diga_se de passagem, existe uma certa lógica nessa fala. Mesmo que seja uma lógica meia embriagada. O problema é que os direitos humanos desde a sua fundação, não abre muitos precedentes para que as democracias humanitárias do mundo transformem as suas ações públicas em direitos  cujo o principal objetivo seja a excelência da vida cidadã como ocorria por exemplo entre os gregos do passado. Sobretudo na democracia ateniense. Longe de comparar como um todo a democracia dos gregos com as democracias dos dias de hoje é claro. Mas como a nossa cidadania, também baseada nos conceitos humanitários do pós guerra, admite que os valores humanitários sejam considerados como válidos apenas a partir da sobrevivência fisiológica de cada um, isso fez com que os direitos humanos tivessem muito mais um caráter identitário que um caráter humanitário e verdadeiramente inclusivo.

Como os Direitos Humanos tem um caráter muito mais identitário e muito menos humanitário, existem coisas que entram na sua agenda, mas outras não. Por exemplo, quando o Brasil começa a desmatar de maneira contumaz as suas florestas, e quando isso prejudica o bem estar de populações nativas, isso entra na agenda humanitária. Quando países como a Venezuela entram em um certo estado de calamidade, a ponto de pessoas terem que se abrigar em outras nações, isso é encarado como um problema humanitário. A proibição da homossexualidade em determinados países e a obrigação de mulheres andarem com os corpos todo cobertos, também é visto como um possível problema humanitário. Mas se pessoas quase passam fome em um país como os Estados Unidos, mesmo sendo a nação mais rica do mundo, e que antes da Pandemia, tinha cerca de 30 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, isso não é tratado como um problema humanitário. O Brasil não ter até hoje democratizado sequer o saneamento básico, apesar do nosso país deixar muitas das vezes com que pessoas morram sem receber o tratamento médico adequado, o qual elas têm direito, não é tratado como uma questão humanitária. Até Guantânamo, que é uma prisão americana em território cubano, onde há acusações até de tortura e onde há violações constantes do direito humanitário à defesa, não aparece muito nas reivindicações de luta por direitos humanos com frequência. E etc. É dentro desse conceito identitário de direitos humanos, que no Brasil, quando um preso é maltratado em uma prisão ou quando muitos morrem pelas mãos violentas das nossas forças policiais, que muita gente, principalmente da extrema direita, diz equivocadamente que "direitos humanos só serve para defender bandido. Pois neste último exemplo, sempre aparece uma militância de direitos humanos para apoiar as famílias indignadas ou enlutadas. Pois os Direitos Humanos, da maneira como ele é pensado, nunca foi utilizado para a promoção da vida humana em todos os brilhos possíveis da sua excelência. E em muitos e inúmeros casos, a agenda identitária dos direitos humanos nos faz perder vários aspectos que poderiam ser muito mais amplos quando o tema é a dignidade humana. Principalmente porque em uma sociedade global alimentada pela máquina capitalista, a vida da excelência também tem o seu preço. E nem todos podem pagar por ela.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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