CRÔNICA E FILOSOFIA: a paisagem humana da violência
Toda forma de organização e violência em uma sociedade, também ocorre dentro de uma paisagem humana, a qual é muito distinta em cada pais. Por exemplo, em cada um dos lugares do mundo que eu visitei, pude perceber isso. Razão pela qual agora eu comparo a paisagem humana desses lugares com a nossa, e a violência urbana que se distribui levando em consideração cada uma dessas formas paisagísticas de organização social.
Qando eu estive em lugares como a Bolívia, o Perú e o México, que são nações que foram inicialmente conquistadas pelo colonizador europeu lá pelos idos do século XVl, percebi que isso gerou paisagens humanas muito peculiares. Porém, nem sempre essa paisagem humana, que é claramente vista nas ruas das cidades dessas nações, correspondem à própria imagem ideal que as mesmas têm sobre si mesma. Por exemplo, no México, no Peru, na Bolívia, penso que também no Equador que eu ainda não fui e etc para a América Latina, existe uma população nativa e andina, que tem a aparência morena indígena dos povos que viviam nesses lugares desde antes do colonizador europeu chegar. Mas curiosamente, quando a gente liga a televisão por lá, e acima de tudo, quando assistirmos ao programa do Chaves e as novelas mexicanas que chegam ao Brasil, percebe_se que aquela população que se vê nas ruas das cidades desses países, trabalhando em setores com mais precarizacão, quase sempre não aparecem nas imagens das tvs locais, e muito menos nas novelas pastelões que os mexicanos importam com tanto sucesso. Salvo em aparições secundárias.
Em Paris ocorre a mesma coisa, guardadas as devidas proporções é claro. Lá também existe uma paisagem humana muito peculiar, que a gente percebe com mais clareza quando andamos nos metrôs da cidade. Pois além de superlorem, principalmente em horários de pico, e além de conter seguranças extremamente agressivos, os rostos que o predominam são bastante diferentes da pele bem tratada de uma Brigitte Bardot, de um Charles Arnavour ou de um Zidane. Pois são muitos e muitos rostos de pessoas negras, claramente imigrantes ou filhos da imigração, que lotam os vagões ferroviários rumo aos subúrbios da cidade. Essas pessoas estão geralmente vestidos de modo mais mau trapilho e com um olhar que demonstra muito mais exaustão que o olhar sereno dos brancos que pegam as mesmas condições no retorno do trabalho. E esses quase na maioria das vezes, soltam antes das áreas mais distantes. Com muitas excessões é claro.
Não nos esqueçamos que a cerca de uns vinte anos atrás ou mais, a cidade de Paris explodiu em uma revolta que vinha dos subúrbios mais carente. E não é novidade para ninguém que acompanha noticiários, a violência policial contra essas pessoas. Além disso, o Cinema também têm tratado dessa dura realidade em filmes como Cidade Cor de Rosa, que mostra o drama de um menino, filho de imigrantes, que quase se perde em meio à essa realidade suburbana, que inclusive abastece a Paris de todos os sonhos com diversos tipos de droga. E tem também um filme chamado Samba, que se passa também em Paris, que narra o drama de um imigrante chamado Samba. Esse filme também revela os bastidores do sistema prisional parisiense, repleto de pessoas negras, imigrantes ou descendentes dos mesmos.
Em se tratando de Brasil, temos muito mais familiaridade, não só com o racismo estrutural que nos acomete desde a era escravocrata, mas também com a maneira como essas formas de preconceito incidem sobre a paisagem humana, que existe em toda a nossa urbanidade até os dias de hoje. Mas primeiramente, tínhamos esse paisagismo dividido pelas formas de sociabilidade que o sociólogo Gilberto Freyre chamou de Casa Grande e Senzala em obra de mesmo nome na década de 30, na qual ele dividiu a nação em três elementos étnicos iniciais, que foram os elementos que nos caracterisam como elemento índio, como elemento branco e como elemento negro. Evidentemente, que nesses primeiros tempos, havia a manifestação óbvia de uma violência que se organizava dentro de tal paisagem humana onde o indivíduo branco era o detentor por direito do monopólio da violência, que foi aplicada na dominação sobre o elemento indígena, que se mantém com vozes de empoderamento muito reduzidas na sociedade brasileira até agora, e ainda sob os auspícios da violência do latifúndio e do capital.
Segundo o sociólogo e pesquisador Jessé Souza, o Brasil ainda está muitíssimo distsnte de esgotar todas as discussões sociais, que segundo ele, têm problemas que se originam desde os tempos da escravidão no país. Pois para Jessé, a nossa relação mau resolvida com os dias da escravatura gerou um comportamento social o qual ele denomina de "ódio ao pobre." E é claro que esse tal ódio à pobreza, segundo esse pensador, incide especialmente sobre as populações negras, mais diretamente relacionadas à servidão civil. Porém para o filósofo Paulo Guiraldeli, o denominado problema do ódio ao pobre, que redundou inevitavelmente em um ódio especial aos indivíduos de pele negra, não foram construídos com tanta objetividade sequer durante os dias da escravidão, e muito menos durante as primeiras décadas da abolição, a despeito da miserabilidade urbana dos ex escravos e seus descentes. Inclusive durante esse período, era possível ver nomes célebres como José do Patrocínio, José Rebouças, Machado de Assis e etc, figurando entre as muitas figuras de destaque social, também negras como eles. Neste caso, para Guiraldeli, a fase de comiceração moral da população negra no Brasil se deu especialmente com a chegada dos imigrantes europeus, que vinham principalmente da Itália, especialmente para substituir a mão de obra escrava nas fazendas, onde os mesmos a substituiu como trabalhadores assalariados. Como os novos europeus que aqui chegavam não podiam disputar o poder político e social com as elites do topo da pirâmide social que já estavam estabelecidas aqui, eles procuraram uma paisagem humana que não estivesse tão bem representada para depositar o seu violento preconceito de classe. E nessa paisagem humana menos favorecidos estavam os negros, o qual passou a ser discriminado principalmente a partir dessa época republicana de início do século XX, não por serem negros, mas sim por passarem a ser tratados como bandidos, cachaceiros e como praticantes de vadiagem. Segundo Guiraldeli, foi a partir desse período que os nomes de negros de destaque começaram a desaparecer quase que por completo do meio das nossas elites sociais e políticas.
É inegável que cada grande centro urbano vive sempre perante à ameaça da discriminação e de uma violência maior contra algumas minorias como ocorre nos Estados Unidos, como ocorre na França, e dentre muitos outros exemplos no mundo, como ocorre no Brasil, a exemplo do brutal assassinato do senhor João Alberto por seguranças do Carrefour na cidade de Porto Alegre. Diante de toda essa realidade, é importante frisar que violências urbanas sistemáticas contra minorias sociais, acontece em meio a formas de paisagens urbanas territorialmente codificadas no mosaico humano das cidades. Desta maneira, quem pratica a violência na esfera da discriminação, a realiza sobre a parte dessa paisagem que se encontra territorialmente endereçada para os guetos simbólicos do rechaço, onde a cor da pele mais enegrecida continua a representar certos perigos a mais para quem a possui.
Diante de toda essa realidade, e tendo em vista o perigo que ela representa para negros e pardos sobretudo, é assaz importante que nós possamos insistir em ações afirmativas que visem a modificação social da nossa paisagem urbana e social. A exemplo de muitos países da Europa e Estados Unidos, temos realizado as nossas ações afirmativas, que são muitíssimo importantes. Mas o meu parecer é que essas ações deveriam ser muito mais humanitárias que identitárias, pois como as mesmas se realizam mais em termos de cota, e menos em termos de inclusão e igualdade real, que deveria ocorrer na base formadora da educação da cultura sobretudo, ainda estamos muito longe de uma coerência mínima quanto a isso. Inclusive, há muitas Instituições que se propõem a discutir sobre o problema do racismo e da exclusão, porém ao fazê-lo, o realizamos nos termos do identitarismo, e não dos maiores valores humanitários.
Como a paisagem humana da nossa etnicidade faz com que formas de violência atuem principalmente sobre os tons de pele mais enegrecidos, há instituições que poderiam atuar mais diretamente na modificação dessa paisagem humana, que também é formada na consciência dos cidadãos a partir das imagens da etinicidade desigual que chegam a nós através dos algoritmos e dos meios de comunicação de massa. Isso com certeza, ajudaria na diminuição de uma violência racista que atua sobre certos territórios da nossa paisagem urbana. Por exemplo, todas as nações do planeta que resolveram melhor o problema da igualdade em quase todos os sentidos, o fizeram democratizando a qualidade na educação dada ao seu povo como a Irlanda do Norte, como o Canadá, como a Austrália e etc. Essa seria a primeira ação mais humanitária, e menos identitária, para lidarmos com o tema da inclusão em todas as formas. Mas para isso, precisaríamos fazer um pacto social, que em um país que se acostumou a ser tão desigual desde a escravatura e as capitanias hereditárias como o nosso, isso representaria simplesmente fundar república novamente. Razão pela qual por razões emergenciais, tivermos que tomar algumas medidas identitárias necessárias como as leis de cotas no serviço público e nas universidades. Porém, é também nos meios de comunicação de massa que eu vejo essa militância atuar muito mais na forma do identitarismo, e bem menos na política interna das suas práticas humanitárias. Por exemplo, o próprio padrão estético dos meios de comunicação de massa ainda não representam toda a diversidade da etnicidade que nós encontramos em grandes centros urbanos. Já vimos até novelas da Globo gravada na Bahia com um elenco de apenas dois negros. O que é simplesmente um total contrasenso. E por mais que a bancada dos telejornais nos brindem com uma Glória Maria ali e uma Maju Coutinho acolá, sobretudo nos setores da opinião, a presença do negro é quase sempre inexistente. Além do mais, até nos programas de comentário esportivo, por mais que vejamos um Júnior ali e um Muller acolá, o número de ex jogadores negros que se tornam comentaristas é infinitamente desproporcional com o número de ex jogadores, que com certeza, também gostariam de comentar futebol. E por que eu estou cobrando isso dos nossos meios de comunicação? porque simplesmente ao faze_lo, eles estariam atuando diretamente na modificação da violência simbólica que ocorre sobre parte do território da etinicidade, que também acontece por uma repetição ainda muito desproporcional do indivíduo branco como símbolo de inteligência, cultura e intelectualidade. E ao fazer esse meu protesto em relação aos meios de comunicação, eu me sinto muito à vontade ao realizar essa grita, pois tv e radiodifusão, apesar de serem iniciativas privadas, estão em um espaço que pertence a todos nós, pois rádios e tvs são concessões públicas. Ou seja, como iniciativa, o Sistema Globo, o SBT, a Rede Record, a Rede TV, a Rádio Bandeirantes e etc, são iniciativas de caráter privado, mas os seus espaços de atuação pertencem a todos nós. E como tal, eles deveriam ter um compromisso moral muito maior de promover a igualdade da etinicidade brasileira em todos os setores dos seus simbolismos de beleza e poder. Até porque eu gosto muito de assistir a belas pernas de lindas loiras e morenas que estão entre as dançarinas do Faustão e do Silvio Santos, mas eu gostaria muito que eles soubessem que nós gostamos muito de assistir também a belas dançarinas negras e mulatas, que entre dançarinas e assistentes de palco, a impressão que eu tenho as vezes, é que as negras que sabem dançar em programas de auditório, morreram e foram enterradas a mais de 30 anos juntamente com o Sargentelli.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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