CRÔNICA E FILOSOFIA: PANDEMIA E LUTAS DE CLASSE
Uma das grandes discussões implícitas nestes dias de pandemia, são as novas logísticas de intercâmbio e confronto ideológico entre as classes sociais ou entre os grupos sociais. Até porque está provado que toda crise moderna também é uma oportunidade de negócios, e nos dias da Corona Vírus, os mais ricos ficam em média mais ricos e os mais pobres ficam na média mais pobres. Sendo assim, como não há classes sociais? Será que esse fenômeno econômico que favorece os mais abastados em detrimento dos menos afortunados ocorre simplesmente porque Deus tem mais simpatia por uns e gosta menos de outros. O professor Paulo Guiraldeli por exemplo, que apesar de alguns exotismos desnecessários, é hoje para mim a grande personalidade crítica de esquerda exposta no debate público através das redes sociais, tem falado sobre a importância de retornarmos a Marx para recuperarmos os pressupostos do que é a política no Marxismo, as lutas de classe. Porém mesmo com todas as assertivas desse professor, que é literalmente o meu principal mestre de Filosofia hoje e o responsável direto pelo meu amadurecimento recente como pensador, eu acho que o mesmo erra por causa de uma compreensão um pouco desatualizada de lutas de classe hoje, que nele aparece com a mesma logística endógenas e exógena na realização dos embates ideológicos. Muito embora ele reconheça que as relações no mundo do trabalho hoje já não sejam as mesmas de outrora. Mas se as pressuposições das lutas de classe ou de grupos de hoje não têm mais o mesmo caráter endógeno e exógeno de anteriormente, como as mesmas ocorrem agora? Se é que elas ainda existem.
As lutas de classe propostas pelo Marxismo tradicional, que viveu de maneira mais hegemônica até o começo da economia neoliberal nos idos da década de 70, só eram possíveis dentro do que o filósofo sul coreano Byoug Sho Han denomina de "sociedade imunológica" na sua obra Sociedade do Cansaço. Explico, nas tradições culturais da sociedade imunológica segundo Han, havia um olhar tão diferenciado para "o outro". Essa época possuía a capacidade das pessoas verem na alteridade aquilo que elas não são sob a mediação de um distanciamento objetivo em relação ao outro. Neste caso, o fenômeno que é esse outro estranho, era quase sempre visto como uma ameaça real. Porém nos dias de hoje, vivemos uma realidade completamente diferente, que é realizada pelo que o filósofo citado chama de sociedade com "excesso de positividade." Nesse excesso de positividade dos nossos dias, os outros os quais eu não sou, por mais distante que ele estejam da realidade de cada eu, aparece às consciências de agora como se ela estivesse plenamente diluído no outro através da mesmidade que transforma a tudo e a todos em objetos de consumo. Sendo assim, já não é mais o outro da tradição da cultura imunológica que vêm a nós como fenômeno a ser afastado, e sim ele é um outro que surge no mercado da diversidade como uma mera diferença, que na contabilidade dessa era da hiper exposição e do hiper consumo, é sempre apresentados a nós como entidade sociológicas a ser digerida em uma mesma moeda de troca, que é a moeda da igualdade positivada onde o eu se dilui no outro independente dos distanciamentos aparentes.
Como não existe mais a arquitetura e as tecnologias sociais que se organizavam tão detalhadamente em estruturas sindicais, em cooperativas de trabalhadores dos mais diversos setores e em organizações que estão na base da pirâmide social, as classe, que até a pouquíssimas décadas militavam de maneira endógena e exógena contra os seus adversários políticos, agora ao se confrontarem com os seus adversários supostos, os quais fazem parte das superestruturas do poder, quem está nas bases da pirâmide, se defronta hoje muito menos contra os outros que estão do outro lado das trincheiras políticas, e bem mais com os outros contra os quais se deve lutar. E a despeito das muitas diferenças entre o um e o outro da base e do topo da pirâmide, os grupos sociais acabam se diferenciando muito pouco para que ocorra uma luta de classes de caráter imunológico, devido à mesmidade que hoje nos expõe à meras diferenças entre os iguais.
Muito embora o meu professor de predileção tenha pleno conhecimento a respeito da Sociedade do Cansaço como obra de literatura filosófica, até porque foi através das indicações dele que eu acessei a esse livro, Guiraldeli tem na sua forma de militância uma postura bastante imunológica no modo de se comportar nos seus embates políticos. Não que eu compreenda que o mesmo não deva agir assim, muito pelo contrário, eu mesmo, como um cidadão de esquerda, chego até a verdadeiros orgasmos intelectuais múltiplos quando ele mete a porrada nessa galerinha neoliberalóide, que se torna indivíduos perigosos, não apenas porque refletem como pensam, mas sim porque parecem que eles fazem questão absoluta de dar informações completamente erradas sobre livros que parece que eles não leram, ou sequer estudaram profundamente a respeito. O que irrita demasiadamente a nós professores. Muito embora eu ache um pouco exagerado os termos "Gabriela Piolho", "Bagulho Buchecha", "Cuca Morena", "gente assexuada", Constantino que "não toma banho" ou coisas do gênero, mas é também por isso que eu penso que fica claro que a militância política desse filósofo tem também muito da estética imunologógica das lutas de classe à maneira clássica. O que eu nem acho ruim, afinal de contas, nós que estamos na base da pirâmide, e temos sido os mais prejudicados com o solapamento dos nossos direitos sociais e trabalhistas, precisamos também desse tipo de militância. Sobretudo no Brasil, onde nem mesmo uma pandemia, que já matou quase 163 mil pessoas no país, têm feito com que as elites econômicas e políticas que vivem por aqui, recuem para que a falsa mágica do teto de gastos, que existe principalmente para pagar os títulos da nossa dívida pública, se voltem minimamente para a sustentabilidade subsistencial da população, sobretudo dos cidadãos mais vulneráveis. E não nos esqueçamos de uma coisa, se para os menos afortunados de todas os grupos da pirâmide econômica não existe mais lutas de classe ou de grupos, com ou sem a crença de que essa luta existe, nós estamos vivendo uma fase de política econômica guedista, que está sendo o momento decisivo para que a especulação financeira possa se apossar cada vez mais de toda a nossa mais valia social.
Porém em uma sociedade de positividade, os trabalhadores já não fazem mais parte da cultura disciplinar da tradição industrial clássica. Muito pelo contrário, hoje as pessoas têm sido incentivadas a serem empreendedoras de si mesmas. Desta maneira, elas se tornam as opressoras e as libertadores do seu próprio eu. Desta maneira, jargões como "você pode", "você consegue", "só depende de você", "se você não chega lá é porque você não se reinventa" e etc, são algumas das frases feitas de uma sociedade de positividade. Como nessa nova tradição o mundo do trabalho fragmentou as relações sociais quase como um todo, isso modificou de tal maneira a logística entre os vários agentes de interesses da sociedade capitalista, que se torna cada vez mais difícil tratar lutas de classe como nós a tratávamos outrora. E é por isso que eu afirmo que hoje não há mais lutas de classes, e sim o que há agora são lutas em classe e luta entre as classes, as quais eu prefiro chamar menos de classes e mais de de grupos sociais, para ser mais fiel às atuais e diversas fragmentações da realidade trabalhista de hoje.
Como as novas relações de trabalho fragmentaram trabalhadores muito mais dentro das suas próprias metas pessoais, os indivíduos ficaram bastante indistintos como classe social. Sendo assim, os mesmos já não compreendem tanto a natureza do lugar que eles ocupam em suas atividades trabalhistas, e muito menos contra quem eles devem lutar como grupo social. E como as lutas de hoje ocorrem muito mais como lutas em classe ou entre os grupos sociais, muitas das vezes, as energias que os trabalhadores empreendem em lutar como operariado, são tão indistintas que pessoas agora lutam de modo endógeno e exógeno dentro do seu próprio grupo social. Por exemplo, eu conheço um cidadão que tem uma vida financeira muito irregular. Neste caso, o conforto dele e da filha do casal, e sobretudo o futuro da menina, depende muitíssimo da regularidade do salário de servidora que a mulher dele tem em duas matrículas como professora da rede pública. Mas por incrível que pareça, a fala política do marido da família é sempre e sempre hostil para com a classe dos professores. Nos Estados Unidos, apesar de Donald Trumph sempre ter se mostrado contrário à presença de trabalhadores latinos no país, por estranho que pareça, o voto majoritário da comunidade latina entre os americanos votou exatamente em Donald Trumph para se reeleger. O que felizmente não ocorreu, para o bem da humanização e do processo civilizatório no planeta. Eu mesmo como professor, as vezes eu não compreendo porque vários professores da rede pública apoiam quase de forma fanática as políticas de Jair Bolsonaro, e o apoiam apesar da sua insistente hostilidade para com o magistério. Esses três exemplos significam o que? Significa que hoje a indistinção entre os grupos sociais faz com que os trabalhadores realizem as metodologias endógenas e exógenas das suas lutas às vezes dentro do seu próprio grupo social o qual elas pertencem ou contra grupos de interesses que estão na sua própria realidade.
Na atual condição de trabalhadores, que agora são esse tipo social de investidores, opressores e libertadores de si mesmo, sobretudo em uma economia como a brasileira, que não investe massivamente em ciências, tecnologia e inovação, que não se habilita mais a ver o crescimento do seu parque industrial e que não vê a educação como plataforma de desenvolvimento, cada dia mais a nossa matriz econômica se centraliza na vocação de ser uma mera importadora de comodities, com raríssimas excessões e na divisão de serviços como o Ifood e o Ubber, que dependem tão somente da disposição dos indivíduos para o desenvolvimento de pequenos negócios, que precarisam por demais as condições de trabalho, mas dá uma impressão de positividade, por aparentar uma sensação de maior liberdade aos trabalhadores.
Como essa infraestrutura depende muitíssimo da nossa vida em rede para poder funcionar, essa vida vivida no interior das redes sociais, potencializa ainda mais a nossa condição de libertadores e de opressores de nós mesmos, pois agora já não trabalhamos apenas em departamentos específicos de forma predominantemente, até porque agora têm também o Home Office, que assim como todas as outras ferramentas digitais utilizadas na vida privada e no mundo do trabalho, nos coloca para trabalhar simplesmente em todo o tempo, uma vez que toda vez que nós nós utilizamos das redes sociais nós estamos também trabalhando, simplesmente porque ao frequentamos a rede, estamos fornecendo aos algoritmos informações que são estatísticas numéricas e gráficas que serão e são utilizadas na engenharia digital dessa nossa sociedade capitalista e digital. E uma vez que todos nós que usufruindo da nossa vida em rede estamos constantemente trabalhando e produzindo conteúdo para o mercado hodierno, é a partir das infraestruturas desse fenômeno que segundo Paulo Guiraldeli e muitos outros pensadores entendem que as lutas de classe devam reorganizar_se. Porém eu faço essa pequena ressalva, não há mais a luta de classes à maneira clássica, e sim lutas em classe e entre os grupos sociais.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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