CRÔNICA E FILOSOFIA: racismo e segurança privada
Especialistas que se dedicam a pesquisar a respeito da História do desenvolvimento da segurança pública no Brasil, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, a qual eu tenho mais familiaridade, dizem que desde os primeiros dias da república brasileira, as nossas polícias já se organizavam com o intuito de criminalizar a pobreza. E consequentemente isso atingiu sempre mais diretamente os negros, que desde os dias da escravidão, sempre foram as principais vítimas da aguda pauperisação que sempre esteve presente no país. A primeira e a segunda DP da cidade do Rio de janeiro por exemplo, foram radicadas nos espaços da Praça Mauá e de Padre Miguel. E as outras unidades foram se concentrando a partir de áreas próximas à Favela como a Favela do Jacarezinho, onde especialmente os negros habitavam ou frequentavam. É também a partir de uma das épocas pós escravocrata, mais especificamente no início do século XX, que começou a haver no Brasil, sobretudo com a chegada do trabalhador livre que imigrou da Europa para o país, que negros passaram a ser tratados como vagabundos, cachaceiros, vadios e sobretudo como bandidos. Razão pela qual nós passamos a produzir um modelo de securitização que relaciona, desde esses dias, o elemento negro à criminalidade. Inclusive através de uma lógica de vilipêndio da condição humana da negritude, que certamente conduzia alguns elementos da pele negra para certos submundos da marginalidade. Ao passo que a desonestidade do elemento branco, foi conduzida para um caráter político mais sofisticado e encoberto pelas sutilezas da falta de transparência e pelo distanciamento das polícias civil em relação a ele. Pois as forças policiais estavam mais preocupadas em combater a aparência de criminalidade que havia na ideia negativa que as pessoas tinham em relação aos cidadãos mais pobres e mais enegrecidos.
Segundo pesquisas, já não resta nenhuma dúvida que a constante violência policial que nós temos acomete em um número absurdamente maior os cidadãos negros e pardos no país. E de acordo com os exemplos acima, eu penso que seja humanamente impossível, salvo o cinismo e o puro descaramento intelectual, não reconhecer essas coisas, dada a evidência dos mapas da violência urbana no Brasil. Mas de alguns anos para cá, o processo social e político de securitização das sociedades vêm se modificando assustadoramente com a emergência do Neoliberalismo.
Desde os primeiros dias do Liberalismo na Europa, sobretudo com o seu principal pensador clássico, Joseph Smiths, autor do clássico A Riquesas das Nações, escrito no início da primeira metade do século XIX, o autor já dava certa importante para o Estado na questão da segurança. Mesmo Smith classificando o Estado das suas ideias como o "Estado guarda noturno", o qual segundo ele, deveria se intrometer o mínimo possível nos destinos de cada nação. Neste caso, o mercado segundo esse economista, deveria ser o grande arrejimentador de quase todos os equilíbrios sociais, cabendo ao Estado apenas fenômenos básicos como a educação e a segurança pública e parte da infraestrutura. Porém um dos processos de subjetividade promovidos pelos espaços ideológicos do Neoliberalismo, que tem penetrado o mundo desde a década de 70, é a produção de um tipo de homem que o filósofo político Antônio Negri denomina de o "homem securitisado" da economia e da política neoliberal de hoje. Mas ao passo que na mentalidade da política e da economia liberal a segurança era considerada como um bem a ser observado pela gestão pública, na economia neoliberal, também a própria segurança é um valor tratado como mais um serviço a ser terceirizado das mais diversas maneiras. Desta forma, com um maior distanciamento do Estado também nesse setor, forma_se uma nova subjetividade, a subjetividade do homem securitisado, que é o cidadão que com a presença irregular do poder público na promoção da sua integridade física, moral e patrimonial, forma a mentalidade de que ele mesmo pode ser o responsável pela sua própria segurança na cidade, quiçá no campo.
Curiosamente, foi exatamente a partir da década de 70, e em pleno boom do Neoliberalismo no mundo, que os nossos problemas de segurança pública se tornaram uma questão muito mais visível na por aqui, principalmente através da grande mídia. Inclusive foi exatamente nas décadas de 70 e 80 que os nossos meios de comunicação de massa passaram a investir mais pesadamente em informações especializadas em violência urbana. Por exemplo, no Estado do Paraná apareceu o apresentador Luiz Carlos Alborghetti, o principal influenciador no apresentador Carlos Massa, o Ratinho, falando de violência nas cidades paranaenses. Ratinho diga_se de passagem, também começou a carreira como reporter policial. No Rio de Janeiro, o Jornal o Dia surgiu na década de 70 com um projeto editorial daqueles que se você torcesse o papel, jorraria sangue das páginas de notícia. E também foi inventado nessa época o Jornal o Povo, que deve existir até os dias de hoje. Também foi criado o tradicional programa de Rádio Patrulha da Cidade misturando notícia trágica e humor negro. E se eu não me engano, esse programa ainda está no ar. Cidinha Campos, também gostava muito desse tipo de abordagem. Inclusive, qual ouvinte de rádio não se lembra do lendário quadro Gugu contra o crime no programa da Cidinha nas manhãs da Rádio Tupi? Em São Paulo, dentre muitas iniciativas, foi a partir do final da década de 70 que a antiga TVS, o atual SBT, inventou a programa O Povo na TV, que a posteriori fez escola nesses estilos de programa sensacionalistas de final de tarde que hoje abriga gente como o Datena, o Bath e abrigou o saudoso apresentador Marcelo Resende. Foi nesse contesto que foram revelados o histérico Wagner Montes e o apresentador Gil Gomes. Foi também nestes dias, que o Programa o Homem do Sapato Branco apresentado por Jacinto Figueira Júnior, foi líder de audiência até a primeira metade da década de 80, programa esse que apresentava o lado pitoresco dos conflitos nas cidades. Por outro lado, a política fez aparecer candidatos que se elegeram pregando a pena de morte como o jornalista Amaral Neto e o radialista Afanásio Jazade. Foi também neste clima de insegurança que o poder público criou a temida Rota, polícia especializada em operações especiais, que projetou politicamente o deputado estadual Comte Lopes, que foi o mais conhecido dos comandantes da Instituição. E pasmem, até a minha pequena cidade natal de Barra do Piraí, que não chegava a 97 mil habitantes até 2010, tem um programa policial que surgiu lá na Barra chamado Programa Gato Preto, apresentado pelo apresentador William Renato, o William Gato Preto, que até os dias de hoje é o programa de rádio mais ouvido da cidade. Mas agora, não é apenas a mídia sensacionalista ou não que divulga a violência urbana, mas é o próprio cidadão comum que a divulga. Sendo que agora, as vezes é o próprio criminoso que filma as suas intervenções ilegais. E as seguranças privadas se sentem também até no direito de filmar os seus abusos contra os indivíduos que ameaçam o patrimônio o qual elas protegem. E evidentemente, sempre tal violência acomete muito mais aos cidadãos de pele negra. E é justamente dentro desse último contesto que está presente o Neoliberalismo e a ideia de que cada um agora deve ser o responsável pela sua própria segurança.
Falando especialmente do Rio de Janeiro onde eu vivo, há cidades brasileiras que apresentam toda uma infraestrutura urbana de possibilidades de acolhimento à essa política individualista e privada de securitização da vida devido à auxência dos serviços do poder público em áreas favelisadas ou muito desassistidas. Com a auxência do poder público nesses lugares, formam_se grupos paramilitares desde a década de 70 e 80. Esses grupos eram chamados nesses primeiros momentos de "os esquadrões da morte." Hoje são denominados de milicianos, os quais estão cada vez mais próximos dos traficantes, que também se aventuram a oferecer segurança em áreas muito carentes. Quem que tem uma idade próximo aos 50 como eu anos nunca ouviu falar do misterioso Mão Branca, o grupo de extermínio mais famoso das décadas de 70 e 80? Mas hoje há também, no caso específico de cidades brasileiras como o Rio de Janeiro, grupos que são chamados de "os flanelinhas" por exemplo. Flanelinhas além de ser uma espécie de segurança privada que limpa e toma conta do carro dos cidadãos no caótico trânsito da cidade, também fazem parte desse compromisso individual em que os cidadãos pagam pela sua própria segurança. Até porque há relatos de que se as pessoas não pagarem pelo serviço, o veículo pode ser danificado por esses prestadores de serviço, ou até roubado.
Quando andamos por centros urbanos ou trabalhamos em comércios locais, percebemos que há sempre uma segurança privada em torno das áreas comerciais. Mas nem sempre essa prestação de serviços é feita por seguranças legalisadas. Há policiais ativos e inativos que fazem esse tipo de serviço, e são pagos por pequenos lojistas, por médios comerciários e até por camelôs da cidade. Razão pela qual é possível compreender a lógica da violência que matou o senhor João Alberto nas dependências da empresa Carrefour em Porto Alegre, o qual foi espancado e asfixiado por dois policiais vigilantes do local até a morte. Pois da mesma maneira como a violência policial e a violência urbana comum mata especialmente cidadãos de pele mais enegrecidos nos nossos grandes urbanos, mais uma vez essa lógica se repetiu, uma vez que esse tipo de seguritização privada já está desde a muito tempo acostumada a agredir fisicamente pessoas que fazem pequenos furtos nos comércios urbanos. Porém a cada dia que passa isso é realizado através da lógica do crime, do tráfico e dos milicianos.
Eldon de Azevedo Rosamasson
Acesse o YouTube e digite Filosofia com Eldon Rosamasson, se inscreva no canal, acione o sininho, dê o seu like, faça o teu comentário e compartilhe o material com outras pessoas. Participe também do grupo Filosofia com Eldon Rosamasson no Facebook. E visite diariamente o meu blog Filosofia com Eldon Rosamasson através do endereço Rosamasson ponto blogspot ponto com
Comentários
Postar um comentário