CRÔNICA E FILOSOFIA:. esquerda e Estado

Hoje no Brasil, nós estamos vivenciando uma fase pós eleitoral muito distinta em relação a esse acontecimento no passado, pois pela terceira vez consecutiva entre eleições municipais, estaduais e nacionais, em mais uma oportunidade as esquerdas tiveram um desempenho muitíssimo irregular nos pleitos, agora dos municípios mais uma uma vez. Principalmente o PT, um dos maiores, senão o maior partido de esquerda da América Latina, que simplesmente não vai governar nenhuma das grande capitais do país. Será que tipo de análise alternativa nós podemos fazer a respeito dessa realidade para a gente não cair no discurso fácil de que se isso está acontecendo é meramente porque o Partido dos Trabalhadores praticaram corrupção na política e lideraram um dos maiores escândalos da História da nossa república, que foi o escândalo do Mensalão. Mas será que além da prática de crimes nós interiores da Instituição do Estado, há outros motivos que justificam a grande indignação popular com o PT e com grande parte das esquerdas?

Antes de entrarmos nos pormenores a respeito da pergunta que finaliza o primeiro parágrafo, vamos buscar os fundamentos sobre o que é o Estado na tradição política. Pois o Estado é, desde os seus primeiros dias de despotismo, uma instituição que alem de ser um fenômeno despótico, é um fenômeno político conservador, que tradicionalmente, tem na sua infraestrutura interna, quase todas as características que a Filosofia Política chama de política de direita. Pois definitivamente, não há Estado que seja por vocação um Estado de esquerda. Mas historicamente, o que a nossa bibliografia política denomina como esquerda?

Para compreendermos esse fato político, precisaremos retornar lá aos dias da Revolução Francesa, pois essa revolução, foi o grande símbolo das ideias revolucionárias de liberdade que que motivaram a construção dos estados republicanos que eclodiram mundo afora desde a primeira metade do século XIX. Porém, para que os destinos da Revolução fosse efetuado, foram organizados as convenções dos Estados Gerais depois de muitos e muitos anos. Durante essas assembléias, os cidadãos que queriam a continuidade da infraestrutura monárquica na gestão do Estado, se posicionavam sempre á direita do rei. Mas os que queriam a ruptura mais radical com o regime vigente, se sentavam à esquerda da Monarquia mas assembléias. Razão pela qual os comportamentos de direita passaram a representar conservadorismo, continuidade e política representativa. Ao passo que os comportamentos de esquerda sempre representaram mudanças revolucionárias, radicalização das ideias e participação popular no processo político. Mas o que ocorre quando as chamadas esquerdas, sobretudo as esquerdas mais tradicionais, chegam ao poder, mas se mantém tão conservadora como as direitas mais obtuzas?

Revoluções são linhas de fuga que redundam em projetos constituintes de militância política. E muitos deles acabam orientando a instauração de uma assembleia nacional constituinte, como ocorreu no nosso Brasil entre 87 e 88. Historicamente, quase sempre quando os movimentos constituintes são convocados, o povo sempre é chamado para participar das mudanças revolucionárias, a exemplo da própria Revoluções Francesas e Americana que ocorreram desde 1717 até a Queda a da Bastilha em 1789. Ou seja, via de regra, uma ação política constituinte, costuma ter uma estética política de esquerda, devido à participação ativa dos vários e vários grupos populares durante o processo revolucionário. Porém quando passa o período revolucionário e as multidões retornam as suas casas, as características despóticas do Estado se reterritorializam e o movimento constituinte das linhas de fuga das revoluções se transformam quase sempre em estados nacionais constituídos como estados conservadores e esteticamente de direita, que tem sempre o hábito de afastar a "multidão" do processo político como explicou tão bem o filósofo da política Antônio Negri nas suas obras mais famosas, Poder Constituinte e Multidão.. Pois definitivamente, pode até haver Estado com todas as características da diteita. Mas definitivamente, não há Estado de esquerda.

Depois que as ideias de esquerda se desterritorializaram dos dias revolucionários dos séculos XVlll e XlX, elas se reterritorializaram nos movimentos socialistas, anarquistas e comunistas entre 1830 até os dias da eclosão da Revolução Russa em 1917, passou a orientar os ideários da esquerda através da influência que o Comunismo passou a ter entre as nações, até que a Guerra Fria separou o mundo entre esses blocos socialistaa, leia_se, de esquerda, liderados pelo poder político, econômico e militar da União soviética dos blocos capitalistas, diga_se, de direita, liderados pelo poder político, econômico e militar dos Estados Unidos da América. Mas contrariamente ao discurso, países ditos comunistas desde a Guerra Fria como a antiga União Soviética e como a China, o Vietnã, Laos, e talvez Cuba até hoje, ao chegarem ao poder, acabaram por realizar um verdadeiro Capitalismo de Estado, mas não necessariamente, com uma participação tão ativa das multidões. Salvo Cuba em alguns dos seus fenômenos políticos e no seu sistema eleitoral que perdura agora. Ou seja, nessa primeira grande referência histórica da esquerda no poder, as próprias ditaduras castrista, stalinistas, de Mao Tse Tung e etc, foram alguns momentos de provas documentais de que quando a chamada esquerda chega ao poder, mas se afasta das suas bases populares, a própria esquerda se direitisa, ou melhor, se endireitisa.

Evidentemente que a experiência soviética, que se projetou dentro da geopolítica da Guerra Fria, ocorreu em um espectro muito diferente do que de fato deveria ser o doutrina socialista. Pois o Socialismo em Karl Marx, apesar da terminologia "ditadura do proletariado" dita por Marx e Engels, não guarda nenhuma semelhança com o Totalitarismo de Estado que foi imposto por fenômenos como o Nazifascismo e por ditaduras como a de Stálin, Franco, Salazar e etc.. Até porque, os próprios Marx e Engels, jamais alienaram o diálogo para com os opositores do Socialismo. No entanto na União Soviética, a ala que propunha a implantação do Socialismo através da tolerância para com as oposições, os mencheviques, foi derrotada na queda de braços com os bolcheviques, que teve em Joseph Stálin, o seu principal representante. Razão pela qual a ditadura totalitária soviética foi criticada durante por movimentos de esquerda dentro e fora da União Soviética. Inclusive o mais famoso dos opositores do regime foi o poeta Leon Trotsky, que inclusive, teve que se exilar no México. E mesmo assim, foi assassinado pelos ditadores do seu país em pleno solo mexicano.

Após e período da Guerra Fria, do desmonte da União Soviética, e principalmente, depois da queda do Muro de Berlim, as ideias de esquerda continuaram a participar da geopolítica e da política interna em vários lugares do mundo. Porém o erro de alijar as multidões da participação política e se esquecer em parte ou quase completamente das bases  populares após a conquista do poder, continuou a ser um péssimo hábito das esquerdas no Brasil e no mundo.

Quando o socialdemocrocrata François Mitehand se tornou o presidente da Espanha durante a segunda metade da década de 80, muitas expectativas de participação popular no governo foram postas em ação de espera, mas ao se fixar demasiadamente nos interiores do Estado, tais ações em prol das bases mais abaixo da pirâmide, não foram muito além do burocrático. Quando os países que fizeram parte da União Soviética se dezarraigaram gradativamente da sua matriz russa, líderes importante apareceram como foi o caso do líder do sindicato Solidariedade, Lev wallesa, na Polônia. Mas apesar das suas origens em movimentos sociais, Wallesa não foi muito além do esperado em um aparelho estatal não muitolonge dos seus conservadorismos. E mais, até a presença de um Nelson Mandela como presidente de uma África do Sul, com todo o seu passado de lutas contra o Apartheid, fizeram da África do Sul uma nação que seja modelo de maiores igualdades social. Muito embira em todos esses exemplos, sempre houve ações pontuais de auxílio aos grupos menos favorecidos. Porém limitadamente e muitíssimo longe das expectativas, pois desde o início desse texto eu tenho afirmado, e volto a reafirmar, não há, não existe e nunca existiu um Estado de esquerda. E sempre quando o mesmo pende para o lado de alguns grupos sociaia, é para a destra da sociabulidade que ele olha.

O nosso ambiente político de Brasil e américas, ainda encontra muitos resquícios desses maus hábitos de esquerda, que ao se encontrar nas superestruturas do Estado, fazem isso sem levar em consideração todo o diálogo permanente com as suas bases populares. Na Nicarágua temos como presidente do país o sandinista Daniel Ortega, que com certeza, tem todo um passado de lutas populares na nação. Mas as notícias que tem chegado a nós através da grande mídia fala do imenso autoritarismo do governo Ortega. As agências internacionais inclusive denunciaram que esse presidente chegou até a se pronunciar como um negacionista em relação à Covid 19. O Chavismo venezuelano vive simplesmente uma grande crise, inclusive de suprimentos. E segundo as notícias que chegam a nós, o país não é nenhum exemplo de gestão com participação dialética das bases da população como um todo. Apesar de isso ocorrer parcialmente pelo que me parece. O ex presidente Mujica, que até a poucos dias foi presidente do Uruguai, muito embora toda a sua ética pública exemplar e o seu passado até como guerrilheiro, realizou sim um governo de maior inclusão, mas sem que a esquerda em todo o seu estilo de gestão fosse implementada como fundamento máximo de administração pública, penso. Mas talvez se nós estudarmos melhor o sistema eleitoral cubano, por incrível que isso possa parecer, a política interna de Cuba tenha semelhanças muito próximas ao estilo de governança legítimo de uma esquerda real. Mas o excesso de protagonismo do Conselho de Estado sobre o Conselho de Ministros, compromete bastante a possibilidade de Cuba ser uma legitima democracia popular e de esquerda onde as infraestruturas de base popular possam influenciar mais diretamente os valores da gestão pública. Principalmente no que tange a eleição para presidente da república, que ainda não existe neste país. E no Brasil a gente já sabe, tivemos durante oito anos o governo FHC, com todo o histórico da tragetória política dele como militante de causas populares. Mas quando o mesmo teve a oportunidade de estar na gestão pública, foi na sua gestão que o Brasil consagrou em um segundo momento desde o governo Fernando Collor, a sua vocação neoliberal. Inclusive  retirando os limites do Estado brasileiro para com o pagamento dos títulos da dívida pública. E quando Lula se tornou presidente da república, o projeto de um Brasil neoliberal e atrelado diretamente ao capital financeiro foi definitivamente consagrado em um terceiro momento desde Collor e FHC. E o que tudo isso prova? que definitivamente não existe, nunca existiu, e talvez, nunca existirá um Estado de esquerda. O Estado é desde as suas origens uma instituição ora despóticas e ora beneficiados dos grupos mais afortunados. E se não compreendermos isso imediatamente, corremos um seríssimo risco de ver padecer as ideias e as esperanças de esquerda por um bom tempo no Brasil. Muito embora no mundo, com a emergência da Pandemia, esteja havendo um reavivamento do Estado como Estado de bem estar social. Mas não nos enganemos, Estado de bem estar social pode até ocorrer nos interiores da máquina pública, mas governo de esquerda só é possível com o respaldo das suas bases populares.

Eldon de Azevedo Rosamasson

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