Maio de 2013 e Janeiro de 2023
Um dos conceitos mais significativos que eu tive contato na minha breve passagem pela faculdade de História em 2011 foi o ensino sobre o anacronismo nas saudosas aulas do professor de História Antiga Rodrigo Rainha. O Anacronismo histórico acontece quando nós pretendemos arrolar eventos de um passado recente ou remoto a todas as infraestruturas de fatos que ocorrem em tempos ou eras distintas. Razão pela qual eu farei algumas relações entre as manifestações de maio de 2013 com os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023, porém guardando às devidas proporções para que o Anacronismo não ocorra desavisadamente.
Radicalmente maio de 2013 sempre foi considerado um evento de ações políticas legítimas totalmente embasadas pelo direito de expressão e manifestação da nossa carta magna. O que não ocorreu na data do 8 de janeiro, pois atacar explicitamente as instituições públicas e o seu patrimônio material, cultural e artístico é crime. Desta maneira, uma vez separados definitivamente os principais conteúdos formais de 2013 e 2023, o que faz com que essas duas datas estejam envolvidas em alguns contextos sociopolíticos e socioculturais que as aproximam?
Em 2013 nós chegamos até a pronunciar com todas as euforias do nosso fígado apaixonado frases de efeito do tipo "o gigante acordou", "o povo amadureceu" e "Fulano ou Cicrano não me representa." Na época víamos nisso um certo charme revolucionário onde nós estaríamos estabelecendo novas relações para com a democracia direta ou para com a democracia participativa em detrimento da hegemonia da democracia representativa e sua formalidade institucional. Mas desde esses dias críticos como o jornalista Reinaldo Azevedo vêm demonstrando preocupações com todo esse afã popular de rejeição e hostilidade a todas as instituições e representantes formais do poder político, atos que na época, às expensas de 8 de janeiro, trazia alianças bem convincentes com a legalidade e com o direito à manifestação pública.
Não se sentir devidamente representados também tem muita relação com a quebradeira, mijadeira e caganeira de 8 de janeiro de 2023. Porém alguns poderiam me perguntar assim, mas os manifestantes de janeiro não se se opuseram grosseiramente por se sentirem representados pelo ex presidente Bolsonaro? Sim, mas o que nós não podemos nos esquecer é que se sentir representados por um ator político que passou anos e dias a fio desafiando a formalidade das nossas instituições republicanas e seus representantes não é participar da representação formal dividida equilibradamente entre os três poderes republicanos. Mas tendo em vista que fatos como esses que eram impensáveis a menos de poucas décadas e lembrando que antes desse fenômeno eclodir no Brasil a principal democracia do planeta se viu atacada por radicalismos análogos aos da nossa experiência recente, em que mundo nós estamos inseridos para que os rumores de tais eventos se dêem com essa frequência mais corriqueira?
Trump e Bolsonaro, os inspiradores intelectuais e ideológicos dos ataques supracitados são espécies de tipos sociais de um mundo cujo as relações de trabalho vêm se atomizando, sobretudo desde a década de 70, pois a construção ideária da sociedade capitalista desde meados do quinhentismo e que redundara gradativamente na indústria fordista fez com que burgueses e proletários se dividissem em categorias de organização classista onde cada associação corporativa e sindical assumia intervenções pedagógicas orientadas por intelectuais orgânicos que ora promoviam confrontos ora protagonizaram acordos entre grupos oponentes. Isso também redunda em grandes pactos entre capital e trabalho que sofreram abalos quase irreversíveis com o crescimento da economia neoliberal que os anos 70 começaram a nos apresentar mais explicitamente. E quem é Donald Trumph e quem é Jair Bolsonaro dentro desses contextos? Trumph e Bolsonaro são os atores mais controvertidos de um pensamento neoliberal dentro desses dias que de chamam hoje. Mas o que o Neoliberalismo hodierno tem em si mesmo com os ataques mais radicais que nós citamos acima e que relações ele guarda com o vácuo de representação política que atomiza os mais diversificados atores das sociedades a ponto de atos de extremismo se tornarem mais comuns por parte de alguns outros que insistem em atacar impiedosamente as instituições da República e seus representantes mais altivos?
Um dos fenômenos do Neoliberalismo é a crescente dispersão dos trabalhadores que outrora estiveram mais organizados a partir do chão das fábricas. Mas com a automação e digitalização da produção os muitíssimos grupos do operariado foram dispersos na sociedade. Sendo assim, as muitas instituições sindicais que exerciam um papel pedagógico importante na vida do antigo proletariado passaram a ter cada vez menos contato e influência com a infraestruturas trabalhistas . Sobretudo com os que vivem nos lugares mais baixos da pirâmide. Desta maneira o papel que os sindicatos tinham como orientador pedagógico mais formal entre os trabalhadores e as superestruturas das elites econômicas e do poder político ficaram muito deterioradas comprometendo quase todos os hábitos de intermediação organizada no tecido social que outrora também era muito influenciado pela pedagogia sindical. E como também isso vem causando uma profunda ruptura nas relações da sociedade civil com os poderes instituídos e constituidos ficamos bem mais expostos à ações diretas eventualmente dispersas ou atabalhoadas dentre muitos atores que reivindicam o direto de protestar.
Dentre muitos outros focos do tempo recente, o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos, maio de 2013 e janeiro de 2023 são efeitos psicossociais da decomposição de uma educação política tradicional que outrora fora devidamente mediada e pautada também pelos sindicatos que apesar de todos os excessos e exaltação de ânimos, nunca outrora tiveram como resultado um ataque tão explícito e direto às mais altaneira instituições da República e seus representantes. No caso de 2013 essa ausência de representação formal e mediada pedagogicamente teve como resultado a rejeição de toda e qualquer presença do chamado político tradicional. Mas no caso do Trumph e mais ainda no evento da quebradeira de Brasília foi apresentado um repúdio às instituições republicanas, porém com a exaltação mítica e supostamente heróica de um homem, o Trump do lado de lá e o Bolsonaro do lado de cá.
Eldon de A. Rosa Masón
Comentários
Postar um comentário