PAULO FREIRE, PATRONO OU PATRÃO DA EDUCAÇÃO?

Uma das características mais marcantes que denotam os DNAs das nossas relações antropológicas e sociopolíticoas está no Mandonismo. E isso desde os tempos onde nós substituímos as primeiras reformas agrárias em potencial pela verticalização das conhecidas Capitanias Hereditárias, desde os dias em que o Coronelismo demarcava quem deveria ser o mandatário de um território se apropriando da compra de patentes do Exército e desde épocas bem recentes. Afinal de contas foi somente em três oportunidades menos uma que no Brasil um chefe do poder Executivo eleito pelo povo passou democraticamente a faixa presidencial a um outro presidente também eleito em sufrágio popular. E eu digo em três oportunidades menos uma porque na terceira vez que seria nesta última eleição, salvo amnésia, quase todos já sabem o que aconteceu. Mas se eu estivesse agora no seu lugar eu me perguntaria assim, mas o que a historicidade dos mandonismos daqui do Brasil tem a ver com uma reflexão a respeito de Paulo Freire e a sua ação política e intelectual na área da educação? E eu responderia com uma outra interrogação, em que sentido a nossa prática pedagógica se relaciona com esse grande filósofo e educador brasileiro? Quem é Paulo Freire para nós, ele é realmente o patrono das nossas melhores utopias libertárias a partir de ações socioeducativas ou Freire é pra gente um patrão ou mandatário maior que nos põe pra acordar cedo e para trabalhar inspirado por portarias e resoluções advindas dos poderes  municipais, estaduais e federais? Será que nos nossos melhores sonhos de uma noite de verão paradisíaco e freireano somos devidamente inspirados pelas suas reflexões ou ao contrário ao sermos motivados em Freire ficamos somente a espera do esoterismo dos sepes da vida para que eles marquem a próxima greve ou mais um dia de paralisação da categoria? Vou insistir na pergunta devido a sua mais alta relevância, quem é Paulo Freire para nós educadores do Brasil, o patrono ou o patrão da nossa educação?

Antes de buscarmos os  caminhos derradeiros para as respostas às Interrogações que fecham o primeiro parágrafo, eu gostaria de buscar outros elementos que afirmam o tipo de mandonismo verticalizante praticado nas escolas do Brasil sob a tese de que esse comportamento sociólogico tem relações diretas com os lugares da nossa passividade como profissionais do ensino. Exemplo, por mais que nós estejamos em plena época de conquistas de empoderamento para as mulheres, a escola no Brasil ainda é muito afetada por uma das facetas mais incômodas que há na construção histórica da feminilidade, o uso excessivo da submissão à figura fálica do mandante masculino. Esse mandatário pode até ser uma mulher eventualmente, mas mesmo assim a presença das vozes de mando permanece simbolizando o mito peniano da masculinidade. Vamos a um segundo exemplo, quando os primeiros colégios começaram a ser formadas no país, sobretudo a partir da era Vargas, eles eram espaços prioritariamente femininos e o corpo docente era formado principalmente desde as mulheres da classe média regular até às atrizes dos grupos sociais mais abastadas. Tais madames eram as donas claramente submissas ao prestígio dos seus maridos Oscar podres de rico. Isso fazia com que aquela escola quase nada democrática tivesse até alguma qualidade e o magistério possuísse inclusive um bom prestígio nas cidades devido ao status social das educadoras que ali estavam levando o seu sobrenome e toda a sua submissão de senhoras obedientes para o interior das instituições escolares. O problema disso é que é assim que nós nos comportamos até os dias de hoje, pois mesmo que as escolas  sejam agora compostas de quadros também masculinos, é no excesso de submissão como uma das facetas mais contraditórias do que é ser o feminino no Brasil que nós professores também vivemos até o tempo presente.

Um terceiro exemplo da nossa feminilidade histórica como educadores está na relação da docência com a construção do conhecimento e com o tipo de militância política que nós executamos na nossa História. Durante as ditaduras do Brasil, e principalmente no período do autoritarismo após o golpe de 64, as universidades concentraram vários focos de resistência ideológica, política e filosófica ao regime enquanto os colégios da educação básica e regular, sobretudo as escolas públicas com a sua histórica submissão aos mandatários do poder, se viram como uma das pressas mais fáceis do regime militar. Não que não tenha havido pruridos tímidos de resistência, mas éramos demasiadamente submissos e femininos para resistirmos aos passos firmes dos coturnos dos militares que marchavam ferozmente rumo às nossas cartilhas e aos nossos deveres de casa. E disso eu me lembro muito bem, pois na década de 70 formávamos no pátio as vezes diariamente para cantarmos os hinos da pátria, tínhamos que ficar firmes e alinhados sem sequer nos mechermos para não tomarmos um sonoro pito da diretora general, visitávamos o Exército e voltávamos fantasiados de soldadinhos de chumbinho para casa no dia do Soldado, éramos às vezes obrigados a desfilar no dia 7 de Setembro sob pena de sermos penalizados no resultado das notas do boletim e etc. Ou seja, desde essa época e talvez até agora guardadas às devidas proporções é claro, as universidades vestem azul e as escolas ainda vestem rosa.

Formalmente professores lidam com o conhecimento, porém historicamente uma coisa ocorre quando nós tratamos o saber que se desenvolve a partir de simbologias masculinas e outra coisa bem diferentes é quando o mesmo acontece sob a égide delicada das vozes mais finas. Por exemplo, sempre quando a mídia tradicional traz alguma pessoa com indiscutível e notável saber para expor a respeito de algum tema, professores universitários também são solicitados para explanar conhecimentos diante dos mais variados temas, pois sendo homens ou mulheres isso não importa, professores universitários em média não estão sob o mesmo tacão das vozes mais grossas de quem manda, pois como as mesmas representam as pesquisas e o que há de mais excelente no que se refere ao conhecer, o ambiente das universidades é prioritariamente um dos homens da relação, o macho da casa e o mandatário do território por excelência, enquanto os professores do ensino regular com a sua tradição cor de rosa choque só conseguem ser mais escutados que ouvidos quando resolvem fazer greves e paralisações para serem quase sempre tratados como o que Simone de Bervoir chamou de "o segundo sexo." O segundo sexo por não ser considerado como o primeiro que aparece no homem não precisaria receber a mesma atenção destinada  à sexualidade essencial mitificado pela veia fálica do macho. E como a sociedade costuma tratar o tal de segundo sexo não essencial quando ele se manifesta? Costumeiramente ele é reconhecido regularmente como  a mulherzinha estérica que fala, fala, grita e esperneia mas não tem que ser levada muito a sério. É também dessa maneira que nós professores somos vistos quando nos manifestamos, como mulheres muito exóticas ou como os homens trans da escola regular. Ou seja, somos quase sempre assediados como um segundo sexo que não é muito essencial e por isso só saberia se manifestar fazendo barulho e atrapalhando a aula dos outros, mas teoricamente sem fazer revindicações reais e necessárias. Não que eu seja contrário aos nossos movimentos de greve. Muito pelo contrário.

Quando a Reforma do Ensino Médio começou a ser aventada para modificar gradativame o curriculum tradicional considerado excessivamente propedêutico pela atual grade dividida em etimerários formativos, disciplinas eletivas e matérias profissionalizantes, mais uma vez houve a exploração da feminilidade e da transexualidade histórica e passiva da tradição escolar brasileia. Não que possíveis mudanças não sejam bemvindas, porém o que ocorreu foi que aqui nessa outra oportunidade o leviatã estatal se apropriou da consciência do corpo docente como se o Estado fosse um atrevido macho alfa essencial que costumeiramente possui abusivamente o magistério como o representante do segundo sexo facilmente domesticável. Em momentos semelhantes é bastante comum invocamos as nossas consciências freireanas, mas regularmente para reagirmos através dos clichês e dos hábitos da democracia representativa em detrimento de uma potencial democracia participativa. Neste contesto Paulo Freire ao invés de ser o inspirador de uma escola crítica e ativa ele se metamorfoseia entre a gente naquele pai mosaico que fornece as tábuas da Lei e as palavras de ordem que penduramos pelas paredes da escola. Ou seja, Freire se vê assim como uma espécie de marido da última palavra que nos dá as frases de efeito que viram os gritos de guerra a serem utilizadas nas próximas manifestações ou na nossa democracia de Watzsapp de cada dia. E o mais desalentador é que diante dessa forma de democracia que se habituou a ser bem pouco participativa desde as nossas práticas docentes, Paulo Freire virou também aquele típico político eleito que nós contemplamos como o maior de todos os mitos endeusado no panteão da nossa consciência feminina de professores do Brasil. E foi assim, internalizando o lado mais nocivo da nossa feminilidade, o excesso de submissão, que nós fizemos o desfavor histórico de modificar o currículo acadêmico do grande pensador Paulo Freire na prática diária do processo ensino aprendizagem, pois no dia a dia do fazer pedagógico o mesmo desde a muito deixou de ser o patrono da  educação brasileira para se metamorfosear no patrão, no marido e no mandatário essencial do magistério que insistentemente ainda se comporta como  o segundo sexo não essencial que deve se pronunciar apenas no interior do lar, ou seja, somente dentro de um lar doce lar chamado escola com a sua  passividade feminina.

Muito embora vivamos uma tradição sociopolítica e educacional que distribui privilégios e desfortúnios também por intermédio das categorias do masculino e do feminino, hoje se torna um desafio quase impraticável propor soluções a partir desses lugares ideológicos e de gênero uma vez que as ideias de  igualdade a qualquer preço têm feito de nós espécies bem exóticas de hermafroditas antropsíquicos. Ou seja, damos benesses a esses ou a aqueles de acordo com as acomodações esperadas por cada um de per si dentro da alternância entre homens, mulheres e outros, mas na prática temos também o hábito de dizer que na realidade homens e mulheres  são essencialmente todos iguais e uma mesma coisa simplesmente. O que é muito contraditório pragmaticamente, pois as relações de admiração e quase culto religioso que nós professores costumamos ter com o vulto intelectual de Paulo Freire não devem de maneira nenhuma ser alienado da rostidade gestáltica e do lugar de aparição onde ele se apresenta a nós como personalidade. Freire fenotipicamente é um homem branco com sintomas bem próximos a uma figura de classe média. E além de muitas outras manifestações ele foi visivelmente um cidadão que além de homem era indiscutivelmente hétero e de família monogâmica tradicional e "estruturada." E muito embora eu relute sempre em falar do "se" como terminologia condicional uma vez que o se nunca está presente, se Paulo Freire não fosse uma pessoa de pele branca, se esse tal de Paulo fosse alguma dona Paulete muito da fogosa ou se muito pobre ele o fosse com quase todas as certezas que de lá até aos dias de hoje não haveria o tempo necessário para que o nosso mais famoso educador fosse o que ele representa agora para todos nós. Razão pela qual precisamos repensar e rediscutir o papel que Paulo Freire tem entre nós como a grande persona grata da História da educação brasileira, pois como pensador ele permanece sendo o nosso principal elo inspirador de uma escola de qualidade, libertadora, participativa e verdadeiramente democrática para todos os brasileiros, porém diante da sua rostidade, aparentemente Paulo Freire tem sido para nós na maioria das vezes meramente um bom patrão que nos inspira a acordar cedo e a trabalhar bem em prol dessa multidão de jovens que vão para a escola para serem mimados e para que uma vez mimados eles pensem que são prioridade.

Eldon de Azevedo Rosa Masón

Filosofia com Eldon Rosamasson no YouTube

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