A ESCOLA E O EROTISMO
Em dias recentes tivemos a surpreendente e triste notícia sobre o falecimento do grande humorista Jô Soares. Me lembro que dentre as maneiras alternativas do Jô entrevistar as pessoas estava a sua afável gentileza de se aproximar e tocar as pessoas. Sobretudo na hora do seu famoso "sem querer te interromper e já te interrompendo." Porém quando a Rede Globo resolveu deixar a gente sem o costumeiro beijo do Gordo, simbolicamente tal evento foi análogo a um fato social aparente evidente nós dias de hoje, a ausência gradativa da gratuidade do encontro manifestada carinhosamente no abraço, uma vez que até aquele inocente e leve toque educado do me dá licença por favor pode agora ser interpretado como importunação ao corpo, como assédio sexual e quiçá como tentativa de estupro. E o pior, sob a aquiescência silenciosa de nós educadores. Inclusive com a submissão historial da própria universidade. Será que estamos sendo educados para uma sociedade sem abraço e para uma vida social aparentemente sem corpos?
Um dos problemas da globalização é a importação de hábitos de algumas nações centrais para o interior de países periféricos como se tais coisas estivessem ligados diretamente à nossa maneira de ser. Por exemplo, quem já esteve em países do Norte Europeu com quase toda certeza já viu aquela aparente secura dos cidadãos de parte do Velho Continente para com quase todos. Mas é a própria literatura e a realidade presenciada por nós que demonstram que é também por uma herança cultural que alguns hábitos insistem em percorrer o comportamento de grupos humanos que ainda são afetados por esse jeito mais friorento de ser. Contrariamente, foi também baseado nos indígenas das Américas que Rousseau idealizou o conceito de "o bom selvagem" inspirado no tipo de proximidade corporal entre as mulheres das tribos americanas e os seus filhos. Ideia essa que também influenciou o Indigenismo da Literatura brasileira com a sua ideia sobre a pureza inata de uma Iracema da vida. A despeito do conteúdo eurocêntrico incorporado ao elemento índio. Ou seja, tais mulheres de tribos educavam os seus filhos sob o calor dos seus próprio corpos nus. O que não ocorria da mesma maneira em nações europeias, não somente segundo a literatura mas de acordo com as próprias pinturas de artistas da época. Principalmente dos mestres da Missão Francesa trazida por Dão João Sexto a partir da primeira metade do século XlX. Evidentemente que não podemos dispensar o calor afetivo da cultura afrodescendente trazida pra cá, pois se as escravas também eram utilizadas como amas de leite para os filhos dos colonizadores, tal tradicão de formação afagada no afeto corporal também foi nos dada generosamente pelo elemento negro. Evidentemente que eu não estou dizendo com isso que se o indivíduo é europeu é porque ele é um completo iceberg nos seus sentimentos. Não nos esqueçamos que o amor sexual e individual romântico baseado nos sentimentos é um produto indubitavelmente made in Europa. Mas até que ponto essa fusão latino-americana onde nós brasileiros pudemos embalar o abraço como ação educativa e como produto de exportação está sendo solapada por uma absurda ideia brasialienígena de que a proximidade dos corpos é nociva à educação?
Uma belíssima professora que eu tive na universidade cujo me lembro das curvas mas esqueci o seu nome, dissera na época ser casada com aquele típico alemão bem tradicional que sente até calafrios antes de falar a frase improvável vinda da sua boca, eu estou desempregado. Familiarizada com a cultura europeia mais longeva por razões mais do que óbvias, a bela contou que quando um bebê de família alemã, da família francesa, da família suíça e etc chora na segurança confortável mas incômoda de um berço, é muito comum que os país aparentemente insensíveis não se dirijam até o berreiro do infante para acolher imediatamente o seu desconforto como nós brasileiros costumamos fazer. Por exemplo, cerca de quase quatro anos depois da aula da professora delícia que era casada com o alemão desempregado, estivemos em Paris, eu e a Avanira. Lá em uma oportunidade onde nós lanchávamos em uma espécie de Mc Donald a francesa em frente o Jardim de Luxemburgo, víamos persplexos a uma cena que até nos assustou de comoção como brasileiros que somos. Um casal tipicamente francês também estava lanchando no que eu vou chamar aqui carinhosamente de Mc Paris Donald junto com a gente. Sentada em frente ao casal estava a sua filha que chorava compulsivamente. Porém percebebíamos que a menina esforçava_se demasiadamente para que a sua fortíssima emoção infantil não aflorasse demais e ela não envergonhadas os seus pais. Com isso eu me lembrei imediatamente do que a professora bonita, mulher do alemão desempregado falou pra gente um dia, ela disse frases do tipo, uma criança europeia é educada para não fazer escândalo, e muito menos para não fazer pirraça em público. Se você ver uma criança fazendo escândalo em ruas da Europa é porque essa criança é turca. Mas o que este pequeno exemplo tem a ver com o problema do nosso texto, a escola e o corpo?
Um dos dois autores do livro O corpo fala, Pierre Weil, falava que o Brasil tem uma coisa muito importante pra ser exportada para todo o mundo, pois nós somos um país que pode exportar o abraço para a consciência planetária. E por que isso? Tal ocorre também porque o contato físico está diretamente ligado à maneira como nós tradicionalmente nos relacionamos, como nós amamos e como nós educamos as pessoas desde quase sempre. Ou seja, a partir do dia em que somos crianças, ao chorarmos, a maioria esmagadora de nós brasileiros, quiçá latinos, fomos quase sempre recolhidos em um abraço e em um colo bem acolhedor. São coisas que desde a muito faz do abraço um dos principais embaixadores das nossas relações sociais e afetivas. O que como já vimos não é uma unanimidade mundo afora. Talvez seja por razões semelhantes que o banho diário não seja um hábito tão corriqueiro por certos lugares europeus como é por aqui na terra brasílis. Ao nos banharmos temos a expectativa de que o outro pode se aproximar de maneira mais intimista. Razão pela qual precisamos nos manter asseados. Mas será que hoje com essa verdadeira febre de não me toques pra lá e não me encostes pra cá porque tudo é assédio, não estaria a escola negligenciando o seu papel de mediadora dos corpos e do abraço na nossa formação por puro comodismo e medo do dedo duro de um estudante cada vez mais mimado para que uma vez mimados ele se sinta prioridade?
No ano passado quando ainda vivíamos o apogeu da era pós sindemia e a sua consequência nas relações ensino aprendizagem, tivemos dificuldades ainda maiores na recomposição entre os corpos do corpo docente com os corpos do corpo discente que já estavam vivendo momentos de grande convulsão desde antes. Talvez para solucionar este problema aparente, a gestão escolar pensou no tal de Projeto Gentileza gera gentileza, mas apenas de maneira formal e sem vida na realidade, pois mesmo diante desta proposta continuamos a apregoar o mando vertical de que de maneira nenhuma o professor deve tocar o aluno, quiçá não deve permitir que o estudante toque nele igualmente. Não estou dizendo que este conselho é equivocado como um todo. Se trata de medidas de segurança básicas. O que eu questiono é a passividade feminóide como nós nos adequamos e não propomos nenhuma alternativa à esses verdadeiros veredictos da cartilha seeducatólica. Pois será que em uma tradição que privilegia a proximidade dos corpos e do abraço na sua formação e educação é possível que nós consigamos educar adequadamente as pessoas com o mesmo distanciamento psicossomático do povo europeu do Norte mais tradicional? Para também responder a isso eu tive uma ideia que eu consegui realizar em apenas uma escolas. Eu propus que no Projeto nós concentrássemos os nossos esforços em uma reconciliação histórica entre mestres e educandos. Para tal indiquei o filme Ao mestre com carinho, vimos uma boa parte do episódio e solicitei que eles escolhessem o professor que a turma mais se identificava e que o mestre escolhido pela maioria fosse um dia homenageado com flores, frases de homenagem e abraços. Sim, o meu principal objetivo era dar combate a essa aberração educativa de que em um país como o Brasil nós podemos educar os jovens sem açúcar, sem afeto e sem abraço. Sim, eu quis atrair o abraço para o evento. Será que eu consegui? RS...
Não nos enganemos, em média os mais jovens só passam a se interessar pelo conhecimento em si mesmo quando eles chegam à universidade. Com excessões é claro. Mas até o Ensino Médio o interesse e o aproveitamento dos estudantes estão muito relacionados ao afeto, principalmente com a afetividade aos professores. E estaremos muito enganados se nós, a exemplo de alguns outros povos mais racionalistas que a gente, quisermos produzir um aprender escolar apenas na abstração de uma lógica insípida, sem açúcar, sem afeto e sem abraço. Mas calma, eu não estou dizendo que a partir de agora os alunos das nossas escolas só irão compreender as disciplinas se a gente viver hoje pendurado no cangote um do outro e levando fungada de lá e beijoca de cá a cada segundo. Não é nada disso, estou dizendo apenas que o toque e o abraço expontâneo representam e já representaram nos nossos institutos escolares a amizade em potencial entre educadores e educandos. E o que é a amizade em potencial entre educadores e educandos? É a amizade daquela relação amistosa entre esses atores sociais que podem até virar amizade íntima de fato e de verdade. Só que agora a situação é tão tétrica que até se formos amigos no Facebook e no Instagram poderemos ser acusados de Cyberestupradores simplesmente por sermos amigos na realidade virtual.
Sou de um tempo onde cada menino e onde cada menina dava um inocente beijo no rosto da "tia" antes de corrermos para os braços do adulto que ia nos buscar na porta da escola. E como eu era quase sempre um dos últimos da fila eu sempre beijava a professora e a baba de quase todos os alunos da turma. Eu sei que hoje muita coisa mudou, mas confesso que há momentos que me encontro persplexo com as mais novas orientações quando uma jovem que gosta de mim ou das minhas aulas vêm até a essa presença, pede licença ou não como já ocorreu algumas vezes e me dá um caloroso e respeitoso abraço ou simplesmente me dá um beijo. Em pouquíssimas oportunidades a jovem inclusive se encontrava ligeiramente caidinha para o lado de cá e com direito a bilhetinho apaixonado e tudo. Mas você sabe o que eu acho da atração física, comedida e com o distanciamento necessário entre mestres e educandos? Absolutamente normal como condição humana. E com direito a casamento e tudo como já ocorreu e como ainda acontece até hoje. Nós temos corpos e a aprendizagem ocorre na relação erótica da atração entre tais corpos. Neste caso qualquer via somática de atração, de simpatia e de amizade em potencial em meio à aprendizagem me parece muito bem-vinda. Evidentemente estamos em terrenos minados e as orientações da gestão escolar que diz para que não haja contato físico entre educadores e educandos é também muito bem-vinda. É para nos proteger e penso que a maioria de nós é profundamente grata pela preocupação dos gestores. Mas certamente temos uma longa história de produção de relações, de educação e de aprendizagem a partir do toque e do aconchego do abraço, mas se mesmo assim optarmos por essa verdadeira aberração e por essa insistente alienação das nossas verdadeiras características como grupos humanos e quisermos afastar os asas generosas e acolhedoras do abraço do nosso fazer pedagógico estaremos no caminho errado dentro do processo de ensino aprendizagem.
Eldon de Azevedo Rosamasson
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