A ASCENSÃO POLÍTICA DA INVEJA
Esta semana tivemos encontros importantes entre o presidente Lula e adversários políticoos óbvios como o direitista e bolsonaristas episódio Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. O presidente como sempre foi cordial, e divertidamente causou muitos e muitos risos durante os encontros. Inclusive no governador. Mas curiosamente o clima amistoso entre o petista e a direita deixou o Direitismo hormonal simplesmente furioso. O motivo do ciúme dos atores mais fanatizados da destra política é que para tais "varões de Plutarco" não deveria haver aliança nenhuma entre eles e o que os mesmos denominam de "os comunistas.." Fato que demonstra em grande parte um estilo muito comum no debate público cada vez mais identitário nos nossos dias, onde o despeito, o ciúme e a inveja deixaram a mera periferia privada e íntima do Estado para ocupar os espaços mais superlativos na vida republicana.
Alexis de Tocqueville na sua Democracia na América escreveu que um dos perigos democráticos é o agigantamento gradativo dos aparelhos do Estado, que ao se tornarem burocráticos, poderiam produzir afastamentos populares na participação das pessoas quanto ao interesse público. Em pensamento análogo, Gilles Lipovetsky afirma em Era do Vazio que um dos dramas da "Hipermodernidade" é que o distanciamento entre a tecnocracia estatal e o dia a dia do cidadão produz um vazio incontesti. Sobretudo em dias de Neoliberalismo onde cidadãos são incentivados a criar formas aparentes de independência em relação às instituições políticas e sociais mais tradicionais. Razões pelas quais em Sociedade do Cansaço Byoung Sho Han apresenta o tipo de sociabilidade hodierna onde indivíduos se apresentam e se vêem como autoexploradores que agora são "patrões e empregados de si mesmo" e "senhores e escravos de si mesmo." Esta realidade, acompanhada das tecnologias sociais que são impostas inevitavelmente promoveu a ascensão social, política e cultural de sentimentos contraditórios como o despeito, o ciúme e a inveja, que mesmo que já fizessem parte das condições humanas deste o mito que narra que Caim matou Abel, hoje a ciumeira goza de privilégios bem mais evidentes em um espaço pública cada vez mais inseminada não só pela comédia da vida privada, mas pelos gemidos da vida íntima.
Quando Hanna Arendt publicou Entre o Passado e o Futuro, ela apontou para o nascimento do que nós chamamos tradicionalmente de política a partir dos gregos. O que se confirma também na Política de Aristóteles. Neste caso ela apresenta o aparecimento deste fenômeno desde que os gregos, sobretudo com Atenas, fizeram a separação gradativa e definitiva entre a vida pública e a vida privada. Este contexto fez da política o palco perfeito das representações da Ágora, que ao contrário da privacidade, não tem o predomínio dos sentimentos mais intimistas como as amizades mais próximas, como o sentir entre os amantes e como toda a vida em família. Ou seja, mesmo que os privatismos sejam inalienáveis em todos os espaços de convivência, na vida pública a familiaridade é aparentemente encoberta pelo interesse público que torna o que é o particular mero coadjuvante, ainda que eventualmente presente. Porém as novas tecnologias científicas e sociais promoveram o protagonismo do que acontece em cima dos lençóis e por debaixo dos edredons, fazendo com que o Facebook, o Whatsapp, o YouTube, o Instagram e demais recursos tecnológicos ascendessem politicamente não só a possibilidade da vida privada se apropriar da esfera pública, mas dos espaços da vida intima se apropriarem tanto do público como do que é privado do mundo. Razão pela qual esta nova realidade sancionou a ascensão política do despeito, do ciúme e da inveja em atos e ações normais da política como os que aconteceram agora na crise infantil de ciúmes das risadas que o Tarcísio trocou com o Lula
O despeito, o ciúme e a inveja são alguns dos principais protagonistas do desejo. E como disseram Deleuze e Guatari no Anti Édipo, não há maneiras de fugirmos destas paixões, sobretudo nos fluxos apaixonados da vida no Capitalismo, pois o capital é dependente dos fluxos mais apaixonados da condição humana para acumular riquezas. Mas o que ocorre entre as multidões espalhadas na vida urbana é que eventualmente as pessoas tentam se virar como podem em sociabilidades alternativas cada vez mais isoladas para suprir as ausências vivenciadas na distância entre o gigantismo do Estado e a vida delas. Neste caso, as novas tecnologias e a possibilidade de cada indivíduo tornar público os seus valores mais intimistas fez com que a intimidade deixasse de ser mera coadjuvante e passasse a ser protagonista na vida política. Ou melhor, nesta realidade os cidadão suprem o vazio entre o poder público e a vida deles para que sentimentos contraditórios como o despeito, o ciúme e a inveja virem protagonistas principais de uma ética pública cada vez mais inseminada pelas paixões e gemidos da intimidade.
Evidentemente que nós não abandonamos por completo as práticas e os discursos da política tradicional, e o Lula tem todas as habilidades óbvias para aceitar o desafio de manter a tradição democrática dentro de diálogos menos personalistas. Mas por outro lado, tanto â direita quanto à esquerda, o Identitarismo mais privativo e menos republicano aparece nos cenários das nossas vidas quase por definição nos tempos do agora. Contesto onde o despeito, o ciúme e a inveja arrebatam cidadãos dos interesses mais gerais para as picuinhas mais interpessoais. A direita por exemplo procura se apropriar de lugares específicos das comunidades até na eleição dos conselhos tutelares para com isso diminuir a possibilidade de desafetos clássicos como a Comunidade LGBT obter espaços alternativos. Desta maneira, gerar desconfortos a gays, lésbicas e simpatizantes, encher o saco de esquerdistas chamados por eles de comunistas e etc é muito mais importante pra essa gente que lutar pelo interesses de todos mediante a serviços públicos de qualidade. Inclusive, como o contesto também é o da inveja contumaz, um dos alvos deste sentimento é a própria estabilidade do servidor público. Salvo se tais serviços forem os de militares ou das forças de segurança, pois tais são identificados pela extrema direita também como os exímias esbofereadoras de pobres, que por viverem em áreas muito carentes, são criminalizados na sua própria pobreza. E aqui eu identifico uma das principais contradições deste pensamento esquizo promovido pela ascensão da inveja como plataforma política. O sociólogo Jessé Souza costuma dizer que no Brasil existe por parte das nossas elites um ódio ao pobre, que segundo ele foi promovido principalmente com a demora que nós tivemos em abolir a escravatura. Certamente nosso elitismo sempre teve problemas com a democratização das nossas riquezas através de serviços públicos integrais. E por que não dizer que tal fenômeno produz dentre muitas coisas um ciúme em relação aos mais carentes por causa da ideia absurda de que qualquer orçamento público que possa promover o bem estar de todos é "gastança", é "gastança da esquerda" ou falta de cuidados do PT para com o orçamento? Essas elites agem como se o paradigma do "teto de gastos" usado para produzir superávit primário no Brasil fosse a religião econômica de um monoteísmo na Economia. Só que não, aqui o teto é feito como um dos recursos do ciúme aos mais carentes uma vez que eles são menos favorecidos pelo orçamento quando este é assediado pelo mercado financeiro que vê o dinheiro público como fonte do pagamento de juros. Essa linha mais conservadora que vai da centro direita até a extrema destra possui propaganda política molecular a qual vê os resultados da vida social muito mais como fruto de esforços pessoais, e menos como a frutificação de projetos molares da infraestrutura do Estado. Desta maneira os cidadãos não são mais incentivados como outrora a participar das suas instituições de classe e de trabalho. Razão pela qual as paixões sociopolíticas se transferem para as briguinhas pessoais onde habitam os componentes mais profícuos do despeito, do ciúme e da inveja, pois tais desejos são vivenciados mais na vizinhança próxima das paixões humanas. Razão pela qual indivíduos apresentam opções políticas que nem sempre são favoráveis a ele ou ao seu grupo social, pois o individualismo extremo do pensamento neoliberal nos afasta de pertencimentos sociopolíticos e psicossociais que nos relacionam às instituições civis, sobretudo nas relações trabalhistas. Dentro destas perspectivas, pessoas decidem por certas ideologias porque pensamentos contrários eram defendidos por um colegas de faculdade que elas achavam chatos, porque os gays são beneficiados por uma ação pública ou simplesmente por despeito, ciúme e inveja de alguém que possa ser beneficiado por uma deliberação uma vez que tais desejos são vividos na proximidade dos sentimentos, ao contrário dos pensamentos sociológicos molares que pensam na infraestrutura política mais integral onde o despeito, o ciúme e a inveja podem ser relegadas aos terceiros planos da vida em sociedade. A coisa é tão séria que hoje é muito comum encontrarmos professores que apoiam políticos que fizeram a sua carreira toda chamando os corpos docentes até de pedófilos, vagabundos e parasitas. Mas por que isso? Isso se dá porque no pensamento neoliberal nós fomos afastados dos sentimentos de pertença que nos ligavam às nossas instituições de classe. Desta maneira alguns praticam o que eu chamo carinhosamente de inveja suicida. Ou seja, no despeito, no ciúme e na inveja suicida alguns cidadãos até são capazes de torcer contra as lutas do seu próprios sindicato que os favorecem simplesmente porque eles nutrem antipatias contra os "esquerdistas" que militam a causa da sua própria profissão.
Não bastasse ter havido a ascensão política do despeito, do ciúme e da inveja como forma de dar publicidade política às paixões particularistas, o desagravo do extremismo de direita contra o sorriso mútuo entre Tarcísio de Freitas e Luiz Inácio mostra a permanência de uma das maiores tentativas de revolução da picuinha já vista na História da gestão pública que foi por meio da eleição do Bolsonaro. A coisa é tão séria que pesquisas de opinião identificaram que uma das características dos bolsonaristas, sobretudo dos seus apoiadores mais ferrenhos, é que eles votaram no seu "mito", mas não tinham nenhuma esperança de melhorias para o Brasil. Ou seja, foi o voto do ressentimento, que direta ou indiretamente também foi o voto do ciúme e da inveja, pois mesmo em uma sociedade atomizada pela despolitização, pela falta de segurança, de seguridade e repleta de ressentimentos, ainda há carreiras que participam do mínimo de estabilidade por causa dos seus regimes estatutários. Razão pela qual os ataques ao servidor passaram a ser uma constante. E pasmem, no governo Bolsonaro o despeito, o ciúme e a inveja ficaram muito explícitos, pois o ex presidente era um homen que tinha boas noções da sua incapacidade de gestão. Por isso, até mesmo quando aliados demonstravam o mínimo de desenvoltura intelectual na vida, ele se voltava contra os tais. Bolsonaro é um medíocre nato que procura sempre fazer com que o mundo se pareça ao máximo com as suas limitações. É neste contexto que foi levantada a tal "guerra cultural" contra professores, acadêmicos, gente de cultura e etc devido a capacidade inaudita que Jair Bolsonaro tem de atrair os frustrados do mundo para os seus projetos moleculares. Ou melhor, em Bolsonaro o ciúme, o despeito e a inveja foram transferidos para dentro das estruturas molares do Estado onde a "brotheragem" não apenas se apropriou do público capturando-o no âmbito do privado, mas a família Bolsonaro foi também capaz de se apoderar da vida privada que se infiltra na política para levá_la para os gemidos da vida íntima, lugar privilegiado para a prática mais efusiva do despeito, do ciúme e da inveja que no governo passado foram elevados à práticas de Estado. Razão pela qual o Bolsonarismo decadente se utilizou, e ainda se utiliza muitíssimo, dos disparos no Whatsapp para fazer política, pois é nesta plataforma que as pessoas são encontradas no interior mais privativo das suas intimidades. E não nos esqueçamos, as indivíduos têm muito menos ciúme de cidadãos bem sucedidos que habitam longe do seu convívio. É por isso que ao promover a inveja como comportamento de Estado o Bolsonarismo foi tão bem sucedido, pois ao trazer a política para a vida social mais íntima, ele promoveu a ascensão política do despeito, do ciúme e da inveja na política e no seio do núcleo social mais basilar da sociedade, a família a qual se encontra principalmente nos grupos de amizade.
Mas não é só dos pensamentos de direita que a intimidade na política se nutre. No início da década de 70, em pleno boom da emergência neoliberal, Alain Touraine escreveu um livro intitulado O Pós Socialismo. Até então, sobretudo no pós guerra, as ideias de esquerda predominavam entre a intelectualida, no pensamento critico e nos criadores que passaram a responder às suas invenções através do Socialismo, do Comunismo e por meio da Socialdemocracia. Mas devido aos gargalos do sentimento comunitário que vinha agonizando com a derrocada gradativa do Estado de bem estar social e por causa do afastamento continuo dos trabalhadores registrados dos seus núcleos de cooperação tradicionais por causa da automação das fábricas que substituiram o braço pelas máquinas, o autor desta obra já dizia que as esquerdas estavam migrando para o Ecologismo e para problemas de gênero como o Feminismo e os movimentos gays. Ou seja, o próprio esquerdismo, a exemplo da direita, também inventou identitarismos para chamar de seu. E como neste ambiente o sentimento de pura independência societária só cresce, e se expande no Brasil e Américas periféricas sobretudo a partir da década de 90, hoje possuímos uma esquerda que a exemplo dos primeiros transfere para o embate político as suas identidades mais nucleares, ao contrário da esquerda tradicional com a tão propalada "luta da classe trabalhadora." Neste contexto, cada grupo identitário busca espaços no poder menos por integração igualitária e mais por privilégios de identidade. Como esta luta hoje é hegemônica, a cada troca ou escolha de ministros, as pessoas não buscam mais tanto alguém que possa representar a todos por um viés trabalhista para que todos sejam representados, mas o representante precisa antes de tudo ser mulher, gay, negro, ter o saco com as cores do arco íris e etc. Há até disputas homéricas entre grupos identitários que aparentemente têm inveja, ciúmes e despeito um em relação ao outro. E é impressionante a blindagem que os mesmos adquirem ao estarem no poder. Por exemplo, é de se espantar o vazio de críticas ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, em um cargo tão importante. A ponto do próprio Lula, que está visivelmente insatisfeito com ele, ficar constrangido caso ele tenha que ser demitido, penso. Ou seja, independente dele estar ou não estar fazendo um bom trabalho, não é comum uma pessoa atravessar mais de um ano de mandato com vazios quase completos de críticas negativas a seu respeito. Vejo que todo este movimento particularista, tanto à direita quanto à esquerda, faz parte de registros neoliberais, que ao transformar as lutas da sociedade civil em batalhas por afirmação de identidades, promoveu não só o exotismo de muitos indivíduos de grupos específicos, mas também realizou a ascenção do despeito, do ciúme e da inveja que deixaram de ser fenômenos de somenas importância na vida da ágora para ter melhores privilégios nas economias da vida pública. Fenômeno este que hoje é um desafio, principalmente para nós que somos pessoas de uma esquerda reflexiva saudosa dos tempos onde até o ciúme e a inveja eram vivenciados no despeito ao cidadão que realizava serviços à sociedade que direta ou indiretamente beneficiaram a muitos, a todos ou a quase todos. Ou seja, que saudades da inveja de antigamente!!!
Eldon de Azevedo Rosa
Filosofia com Eldon Rosamasson no YouTube
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